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Sinopse

Gerações depois do icônico reinado de César, os macacos formam a espécie terrestre dominante. Já os humanos foram confinados às sombras. Enquanto um novo símio tirânico ascende ao poder, um jovem macaco começa a questionar tudo o que sabia do passado.

Crítica

Ambientada cerca de 300 anos depois dos eventos vistos no excelente Planeta dos Macacos: A Guerra (2017), a trama de Planeta dos Macacos: O Reinado começa construindo a tragédia de Noa (Owen Teague), parte de um clã de macacos que cria águias. Depois de demonstrar coragem na véspera do ritual que lhe daria o status de adulto, ele é arrancado do seio de sua família por guerreiros de um grupo distante e menos pacífico. Trata-se de uma premissa semelhante a de O Rei Leão (1994) que, por sua vez, é inspirado em Hamlet, peça de William Shakespeare. Assim como Simba, Noa é condenado ao exílio, a desbravar um mundo novo e desconhecido, onde completa o seu processo de emancipação por necessidade. Numa realidade em que os símios são dominantes no planeta e os humanos passam a ser chamados por alguns grupos de Ecos – acredita-se que eles sejam quase irracionais atualmente –, Noa logo encontra um mentor. O compreensivo Raka (Peter Macon) é esse sujeito de fé que se apresenta como mensageiro da palavra de César, o chimpanzé que iniciou o processo evolutivo dos seres da espécie. Completa a trinca de aventureiros a improvável humana Mae (Freya Allan), em tudo diferente dos demais Ecos, pois articulada e racional. Nesse processo de encontrar a família e tentar reestabelecer o lar, o protagonista em vias de amadurecimento é obrigado a enfrentar dilemas morais e éticos.

Planeta dos Macacos: O Reinado é um filme de aventura com boas sequências de ação e uma trama poucas vezes desinteressante. Se, por um lado, o cineasta Wes Ball não é um exímio construtor de atmosfera, a julgar pela falta de consistência do suspense, por outro, ele se sai bem melhor quando a situação pede ação desenfreada com ápices dramáticos emocionantes. Inclusive, há lampejos de excelência no decorrer da história, como no instante em que Noa é impactado ao enxergar pela primeira vez através da lente de um telescópio – é linda a luz do conhecimento abrilhantando a retina do rapaz aturdido e maravilhado. Lá e cá aparecem situações que ensaiam complexidade, como a apropriação das palavras de Cesar pelo rei Proximus (Kevin Durand) visando concentrar ainda mais poder e a perpetuação no trono. Traçando um paralelo com a realidade, Proximus é como os líderes religiosos neopentecostais que sequestram o discurso ecumênico de Jesus Cristo e o pervertem em função de projetos de poder que incluem dominação e fidelidade do rebanho. Caso Ball não passasse tão depressa por faíscas como essa, se ele desse chances aos subtextos como vigas de sustentação da narrativa, teríamos certamente um resultado ainda mais instigante e desafiador. No entanto, Ball não elabora como poderia os símbolos e ícones, sempre inclinado a enfatizar os inúmeros aspectos melodramáticos contidos nas vinganças, nas frustrações pessoais e nas jornadas de crescimento.

O grande ponto fraco de Planeta dos Macacos: O Reinado é a personagem humana. Dentro de um contexto em que humanos e macacos dificilmente conviverão pacificamente, ao menos não em pé de igualdade, por mais que sejamos levados a torcer por Mae, ela nunca deixa de ser a representante do maior inimigo. O algoz do bondoso Noa e do tirânico Proximus. Wes Ball não deixa sempre isso em evidência, por vezes observando a humana verdadeiramente como alguém que merece ser salva pelo macaco em busca de vingança e reencontros. Apenas no último terço dessa nova produção da saga Planeta dos Macacos é que a ambiguidade humana vem à tona, muito mais para oferecer um gancho à sequência. Por sua vez, Noa é uma figura interessante porque não havia reivindicado em nenhum momento a posição de destaque no clã dos criadores de águias, inclusive estando próximo de fracassar e ter de esperar a próxima temporada para ser considerado adulto. É por força da necessidade que Noa vai deixando aflorar o seu senso de liderança, mostrando a profunda base ética de onde retira as suas decisões e atitudes. Faria bem ao filme se Noa tivesse de enfrentar os dilemas de “ajudar o inimigo” em perigo ou mesmo se o cineasta tivesse um pouco mais de atenção ao elaborar o processo de crescimento forçado que cobra preços salgados de um jovem sem tempo para o luto. Ainda assim, o resultado é positivo.

Quem dera Wes Ball criasse mais cenas com o potencial dramático visto na conciliação apoteótica entre Noa e a ex-companheira de seu pai que nunca tinha ido muito com a sua cara. Na inauguração de uma nova fase na saga Planeta dos Macacos, Wes Ball olha para séculos no futuro do que tínhamos visto a fim de mostrar a ignorância como limitação. Mesmo que às custas da morte de entes queridos e da destruição de seu lar, Noa acaba tirando algo de bom dos ataques sofridos, pois eles o catapultam além de uma zona de conforto que o privava de contato com o mundo. Tanto que nos minutos finais alguém cita uma reconstrução “maior e mais forte” daquilo que se perdeu, principalmente porque os personagens agraciados por notícias e sabedorias de um universo maior estão mais preparados às próximas batalhas. Wes Ball dosa bem a ação (sem deixar as coisas descambarem geralmente ao piegas), várias vezes prioriza as manifestações de heroísmo à maturidade gradativa do protagonista pelo acúmulo de conhecimento, escapa de armadilhas aqui, tropeça desnecessariamente em obstáculos acolá, mas não faz feio ao debutar nessa lucrativa franquia. Bem menos profundo do que Planeta dos Macacos: A Guerra, Planeta dos Macacos: O Reinado tem ótimos efeitos especiais, oferece boas perspectivas futuras à saga, mas escorrega ao não enfatizar a ambiguidade do auxílio à humana.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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