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Crítica


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Sinopse

Bella deixa a Suécia rumo aos Estados Unidos para se tornar uma estrela da indústria pornográfica. No entanto, ela logo percebe que para sobressair nesse universo terá de se submeter a coisas como degradações e violências.

Crítica

Vinda da Suécia, Bella (Sofia Kappel) chega aos Estados Unidos para tentar o triunfo na indústria pornográfica. O objetivo/sonho que leva ao deslocamento é semelhante em Showgirls (1995), cuja protagonista sai do interior norte-americano com o propósito de se tornar uma celebridade na postiça Las Vegas. No entanto, enquanto Paul Verhoeven constrói um painel significativo, no qual o corpo desnudo e o aspecto erótico são exacerbados enquanto mercadorias ao ponto de caírem na esterilidade, a cineasta Ninja Thyberg está mais interessada em contar uma história menos demarcada por ações que levam a reações. A personagem principal de Pleasure responde “prazer” ao ser questionada no aeroporto se a chegada à América é motivada por prazer ou trabalho. Ao longo de toda a trama, podemos perceber que ela deseja querer isso. Parece redundância, mas não é. Mesmo quando fraqueja diante das práticas abusivas dos trabalhos aos quais é contratada, a jovem permanece num contínuo processo de autoconvencimento sobre a “naturalidade” da persona criada para se adequar. Tanto que quando Bella diz coisas do tipo “estou aqui porque amo um pau” ou “adoro foder”, sempre soa como uma forma de manter a personagem na qual espera acabar se perdendo. As migalhas de informação sobre quem era Bella antes dos EUA ou os motivos que a fizeram sair de casa minimizam as possibilidades de leitura sobre a natureza desse anseio pela fama no mundo da indústria pornô.

Desse modo, Pleasure não dá muita margem para pensarmos que a protagonista se comporta de maneira A como uma resposta consciente e/ou inconsciente a B ou C. Ela simplesmente nos é apresentada como uma garota que decide mergulhar de cabeça numa indústria que promete construir celebridades em troca de suor, esforço, obediência e muita submissão. Ninja Thyberg não elabora uma imagem estereotipada dos profissionais do pornô como desalmados que tratam a novata abertamente enquanto mercadoria descartável. Há acolhimento no set, palavras doces e encorajamento, bem como a garantia de que nada será feito sem consentimento. No entanto, há pressões implícitas, algo vital que escapa às manifestações de doçura. Em apenas um momento do longa o contratante, antes também atencioso, explode de frustração por conta do pedido de Bella para interromper determinada cena. Talvez esse rompante seja uma concessão ao esperado de um enredo que contém denúncias contra a indústria pornográfica ou mesmo uma forma de iluminar as cenas análogas que poderiam acabar de modo semelhante se os personagens fossem menos diplomáticos. De qualquer forma, essa violência, seja ela implícita ou explícita, percorre toda a experiência de Bella entre as conversas de bastidores e gravações encenadas com um acurado senso de realismo. A realizadora estabelece uma boa alternância entre mostrar e sugerir, priorizando o segundo. Como nas vezes em que sublinha a disposição de Bella por ser cada vez mais hardcore e pegar atalhos se isso significar ascender mais rápido.

Voltando ao paralelo com Showgirls. O filme de Paul Verhoeven se arrisca bem mais ao abraçar o kitsch como pilar de uma linguagem alusiva à vulgaridade da mercantilização do corpo feminino. Não à toa, ele foi tão mal recebido, tratado como desvario de um cineasta que naquele momento gozava de bastante prestígio em Hollywood. Já Pleasure opta por uma abordagem menos saturada e algumas estratégias interessantes para não incorrer num maniqueísmo alegórico. A maioria das cenas acontecem em ambientes claros, às vezes claros demais. Bella geralmente se veste com roupas coloridas (sobretudo amarelas). Portanto, em vez de construir uma fotografia repleta de matizes frios para simbolizar o percurso da protagonista pela estrutura opressora, a fotógrafa Sophie Winqvist opta por criar uma aparente contradição visual que tenciona a relação entre a encenação e a imagem. Então, constantemente vemos a atriz pornográfica sendo submetida a situações potencialmente angustiantes e até violentas, mas não em cenários abundantes de sombras ou de áreas escuras. Pelo contrário. O efeito prático disso é evitar que o universo pornô recaia numa noção de clandestinidade, como se as suas práticas acontecessem às escondidas. Estamos falando de uma indústria absolutamente lucrativa e que não opera na ilegalidade. E esse curto-circuito de ordem estética emoldura um retrato seco.

Pleasure desvia bem de certos lugares-comuns, mas cai noutros. Já vimos inúmeras histórias de quem se dá mal ao penhorar moral/ética para chegar ao topo. É a velha máxima contida na lenda de Ícaro, aquele que despenca dos céus ao se aproximar demais do sol com asas de cera. Mas, Ninja Thyberg evita convenções desse tipo de trajetória, como ao não inserir o ciúme das colegas assim que Bella é escolhida pelo empresário de renome. No entanto, adiante, a realizadora cai num clichê surrado ao mostrar a protagonista optando pela ambição e com isso perdendo a confiança da amiga. Contudo, para além de escorregões em direção ao convencional, uma forma específica de opressão sofrida por Bella é indicativa do olhar ácido/crítico da cineasta. Com raras exceções (e elas confirmam a regra) são homens que decidem os nortes do pornô, o que coloca mulheres numa imediata subalternidade. E isso é evidente não somente pela maioria de empresários que ditam os rumos, mas principalmente pelo fato de que quase todos os que seguram as câmeras são homens. Ninja Thyberg enfatiza isso ao observar a posse do dispositivo como um exercício de poder. E esse poder é atribuído ao masculino, tanto que Bella subjuga a sua maior concorrente ao ser autorizada pelo homem (que segura a câmera) a atuar com o falo que confere a ela momentaneamente esse símbolo de dominação e força. E a mulher exerce essa dominação descarregando na colega de cena uma frustração transformada em agressividade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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