Crítica
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Crítica
Maria Clara Machado não foi uma escritora qualquer. Uma das fundadoras do teatro O Tablado, uma das principais escolas cênicas do Rio de Janeiro, lançou diversos livros e peças – a maioria voltada ao público infantil – ao longo de uma carreira de mais de cinco décadas. Porém, se fosse preciso pegar apenas um dos seus trabalhos para representar a magnitude e alcance de sua obra, esse certamente seria Pluft, O Fantasminha. Escrita primeiro para os palcos, estreou em 1955 e, desde então, vem somando conquistas, como o troféu APCA (1955), o Prêmio Ministério da Cultura e Educação (1985) e o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (1991). É esta peça, portanto, que volta agora aos cinemas – a primeira versão, de 1962, tinha Dirce Migliaccio no papel-título, e trazia no elenco nomes diversos que iam de Agildo Ribeiro a Jô Soares, de Tom Jobim a Dorival Caymmi, de Claudio Cavalcanti e Norma Blum. Reencenada milhares de vezes ao longo dos anos, é uma história que se tornou referência para diversas gerações de crianças brasileiras. Assumir uma nova adaptação, portanto, significava também lidar com imensa responsabilidade. Uma tarefa que a diretora Rosane Svartman assumiu, porém com resultados controversos.
O que se verifica nesse novo Pluft, O Fantasminha é um típico conflito entre forma e conteúdo. Há uma preocupação predominante com a aparência deste novo filme e em como estabelecer uma aparência que converse com um público nascido no século XXI, tão acostumado às multitelas e às mais diversas referências e insinuações, enquanto que com o texto pouco esforço se denota em sua contextualização. As crianças, protagonistas da trama, se comportam como se ainda estivessem nos anos 1950, reproduzindo atitudes e reações imediatas, desprovidas de perspicácia, para não dizer ingênuas. Com isso, se vê reduzido o alcance do discurso a uma idade muito inicial, pré-alfabetizada, indo na contramão dos projetos recentes voltados a essa faixa etária que tem cada vez mais se empenhado em atingir diversas camadas de interpretação, estabelecendo leituras específicas para cada membro da plateia, sejam os pequenos, adolescentes ou até mesmo adultos encarregados de acompanhar os mais jovens. Assim, ao invés de agradar a todos, de uma forma ou de outra, tudo o que os diálogos conseguem é gerar estranhamento e desconforto, visto que soam envelhecidos e inadequados, diferente do que se poderia supor num primeiro momento.
Outro tropeço está na própria história, transposta para a tela sem o devido cuidado de encaixe temporal – afinal, quase sete décadas se passaram desde a sua concepção, e se o público mudou (e muito) desde então, como não esperar que o mesmo fosse ocorrer com o enredo em si? Quando o pirata Perna de Pau (Juliano Cazarré, indeciso entre o assustador e o tolo atrapalhado) sequestra a garota Maribel (Lola Belli, vista em Onde Está Meu Coração, 2020), declara ter um motivo: precisa dela para descobrir onde está o tesouro perdido do avô da menina. Porém, a captura no meio de uma aula, em pleno colégio, sem que absolutamente ninguém faça nada para impedi-lo. E após levá-la a uma casa abandonada, tudo o que faz é amarrá-la no sótão e deixá-la sozinha. Não há interrogatórios, buscas por pistas, peças perdidas em um quebra-cabeça: absolutamente nada a respeito. Tê-la sob seu comando parece mais um capricho do que uma necessidade, e isso não conta a favor da necessidade de se criar um envolvimento entre espectador e personagens. O gesto se dá apenas para colocá-la próxima de Pluft, o fantasminha que tem medo dos humanos, e, assim, gerar interação entre eles. A impressão é de se ter o jogo ganho – como se a simples fama do título fosse suficiente para conquistar os interessados – e que qualquer esforço nesse sentido seria um desperdício de explicações.
Mas a trama não se resume a estes encontros forçados, e com a entrada em cena dos coadjuvantes, novas participações vão se mostrando irrelevantes. Os três patetas interpretados por Arthur Aguiar (pré-BBB), Lucas Salles (pré-Missão Cupido, 2021) e Hugo Germano (pré qualquer coisa, pois tem agora seu desempenho de maior repercussão) são tão inocentes em suas tentativas isoladas de fazer rir que, além de falharem na busca por qualquer tipo de empatia, também pouco conseguem se diferenciar entre si. Sem mencionar o quão estranha pode ser vista essa “amizade” entre três marmanjos e uma menina que os vê como amigos, sem referência paternal (na maioria das vezes, ela irá se portar de modo mais maduro do que eles). As sequências na taverna dos bandidos servem apenas para citar as participações de Orã Figueiredo, Simone Mazzer e Gregório Duvivier, sem que nenhum consiga estabelecer uma relação efetiva com as ações a serem empreendidas ou mesmo com aqueles que deveriam torcer por eles no lado de cá da tela. Por fim, há os fantasmas, e por mais que o novato Nicolas Cruz e a geralmente ótima Fabiúla Nascimento, como Pluft e sua mãe, respectivamente, se mostrem comprometidos, há pouca nuance em suas performances: ele sempre assustado com tantas descobertas, ela fazendo pouco caso dessas, agindo como se fossem absolutamente normais – sendo que, obviamente, não é nem uma coisa, nem outra.
Mas nem tudo se mostra problemático em Pluft, O Fantasminha. Há pontos positivos, e como dito antes, a atenção privilegiada aos contornos estéticos da produção, ao menos nesse âmbito, compensou: o visual é, de fato, fantástico. A representação dos fantasmas, com suas particularidades e características, são de grande perfeição, gerando um envolvimento não só no exercício dramático, mas também em todo esforço em relação ao desenrolar dos eventos entre os personagens. A técnica desenvolvida, que exigiu filmagens aquáticas, se mostra adequada a uma recriação do etéreo, bem de acordo com a proposta. Há excessos – a prima Bolha, por exemplo, responde por uma piada curiosa, mas sua reiteração termina por desgastá-la – mas esses parecem derivados mais de uma limitação orçamentária, visto suas repetições, do que pela criatividade dos realizadores, que parecem dispostos a esse tipo de ousadia. Svartman, que tão bem se conectou com esse público em Tainá: A Origem (2011), dá um passo ambicioso com esse projeto, alcançando apenas em parte seus objetivos: o encanto se mostra na tela, porém o apelo é mais aos olhos, mantendo-se na superfície, do que à lógica que permita envolvimento emocional. Meio caminho cumprido, mas ainda havia muito a ser percorrido.
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