Crítica
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Sinopse
Passando por problemas financeiros, a jornalista Lee Israel decide forjar e vender cartas de personalidades já falecidas, um negócio criminoso que dá muito certo. Quando as primeiras suspeitas surgem, para não parar de lucrar, ela modifica o esquema e passa a roubar os textos originais de arquivos e bibliotecas. Baseado em uma história real.
Crítica
Antes de qualquer outra coisa, é bom ponderar que Poderia Me Perdoar? é baseado na autobiografia escrita por Lee Israel, interpretada no longa-metragem com muita competência por Melissa McCarthy. Essa gênese ajuda a compreender melhor o tom prevalente, sobretudo, no primeiro terço do enredo, demasiadamente empenhado em oferecer justificativas sólidas o bastante para a entrada da protagonista no mundo lucrativo, porém criminoso, da falsificação de cartas íntimas de personalidades literárias mortas. O relevo conferido às agruras da autora é considerável, vide a consecução de percalços, tais como a escassez de dinheiro para pagar o aluguel – compensada pela condescendência do senhorio diante da outrora bondade da inquilina com sua mãe enferma –, a doença da velha gata de estimação e a completa falta de perspectiva no horizonte para uma mulher de 51 anos, não afeita a interagir, cujos laços interpessoais são essencialmente superficiais e quebradiços. Ela é desenhada como uma desajustada incorrigível e antipática.
Portanto, Poderia Me Perdoar? cria um ambiente de motivações para fundamentar as atitudes da personagem, aquilo que a levou a cruzar determinadas fronteiras morais em busca de sobrevivência. Dá para dizer, no entanto, que esse esforço se prova inútil, porque chega a praticamente depor contra a boa construção de uma personalidade controversa, quase trágica pela incapacidade sobressalente de estabelecer e manter vínculos, o verdadeiro infortúnio que traz a reboque um calhamaço de outros problemas. As coisas melhoram sensivelmente com a entrada em cena de Jack Hock, vivido por Richard E. Grant, ator cujo trabalho excepcional logo deixa para trás uma incômoda sensação inicial de caricatura. Jack é uma figura alinhada a Lee justamente por conta da miserabilidade, não apenas a financeira. Homossexual, possivelmente vítima de preconceitos diários, ele é um malandro que se equilibra na corda bamba do cotidiano ao sabor dos ventos das ruas, ocasionalmente sofrendo no corpo os efeitos da “petulância” de existir.
Quando Melissa McCarthy, na pele de uma mulher ranzinza e praticamente refratária ao contato humano, e Richard E. Grant, como o sujeito de olhos azuis que conscientemente cria uma persona ludicamente aristocrática e elitista para suportar a realidade depauperada, estão juntos em cena, Poderia Me Perdoar? aspira a voos maiores. Lee e Jack formam uma dupla afiada, espelhando mutuamente as fragilidades e potencialidades do outro. Infelizmente, a cineasta Marielle Heller subaproveita um dado curioso, somente mencionado, mas que poderia ser estudado com maior profundidade. Lee começa a ganhar uma bolada fazendo-se passar por escritores conhecidos, para isso sendo necessário incorporar estilos, palavreados, adicionando certas tendências mercadológicas ligadas à paixão e ao interesse dos colecionadores. O filme passa longe de realmente estudar essa dinâmica complexa, limitando-se a mostrar a protagonista fazendo uso de máquinas de escrever distintas para cada tarefa.
Poderia Me Perdoar? melhora com o tempo, também, porque a realizadora instila melancolia na trajetória conjunta de Lee e Jack, explorando essa relação sustentada aos trancos e barrancos, a despeito das dificuldades dos dois. Um exemplo da engenhosidade, no que tange a esse vínculo basilar, é a forma como se dá o repentino rompimento, exatamente em virtude de algo que sai errado, ironicamente a partir do único ponto que ele cumpriu estritamente o prometido a ela. Há, timidamente, uma cutucada no mercado que acolheu as falsificações, pois a vista grossa e a falta de critérios para considerar um documento genuíno permitem a farsa ir adiante e gerar lucratividade em várias escalas. Marielle Heller escorrega em alguns convencionalismos, se excede nesse mea culpa com ares de autodefesa e pitadas de atribuição de responsabilidades, mas realiza uma obra com predicados suficientes para valorizar o desempenho sensível de Melissa McCarthy, mas, principalmente, o de Richard E. Grant, aqui tão incorrigível quanto irresistível.
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