Crítica
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Sinopse
Acompanha Alejandro Jodorowsky durante a juventude como um próspero artista chileno. Ele se libertou de todas as amarras, como família e limitações, e foi introduzido no principal círculo artístico boêmio dos anos 1940 no Chile, onde conheceu promissoras pessoas do ramo que se tornariam reconhecidas no século XX.
Crítica
Poesia Sem Fim dá sequência ao que A Dança da Realidade (2013) começou. A reconstituição lírica das memórias do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky parte, então, da infância esquadrinhada no primeiro filme para abarcar os anos anteriores à maturidade, nos quais o menino deixa a inocência de lado para mergulhar definitivamente nas águas da poesia. O próprio Jodorowsky aparece no bairro que outrora recebeu a sua família. As paredes carcomidas de hoje são recobertas com fachadas de papelão que representam as do passado. O trem de mentira atravessa a rua, expondo um itinerário estilístico em que a fábula está a serviço da realidade e vice-versa, até mesmo porque já não se distingue a fronteira entre tais dimensões. Assediado pelo pai, Jaime (Brontis Jodorowsky), para transformar-se num médico, Alejandro (Jeremias Herskovits) corta literalmente a metafórica árvore de sua genealogia na cena que evidencia a necessidade de apartar-se das instituições num país tradicional como o Chile.
A progressão de Poesia Sem Fim é cronológica, embora não obedeça estritamente a uma lógica estanque. Assim, o crescimento do protagonista que decide sair de casa não é apenas simbólico, pois, a partir daí, ele passa a ser interpretado por um ator mais velho, Adan Jodorowsky, como Brontis, filho do cineasta. Durante a temporada na residência de múltiplas possibilidades artísticas, onde convivem bailarinas, homens pintados e uma dupla formada pelo homenzarrão com máscara de telecatch e a menina dependurada em seu corpanzil, ele é convidado a sair pelos arredores e descobrir uma musa de inspiração. Não tarda para Alejandro encontrar a poetisa Stella Diáz Varín (Pamela Flores, que também dá vida à mãe cantora), mulher estilizada, de cabelos encarnados e corpo adornado. Na realização de Jodorowsky, a verdade mais que perpassa a ficção, pois desse encontro tão ardiloso quanto fértil surge algo poeticamente forte o suficiente para prescindirmos de uma vil constatação.
Tecnicamente falando, Poesia Sem Fim é um prodígio raro, pois une a inventividade dos recursos da direção de arte – que bebe em diversas fontes, dentre elas as artes plásticas – e a concepção sobressalente do fotógrafo australiano Christopher Doyle, também conhecido como Dù Kěfēng, o mesmo de Amor à Flor da Pele (2001). Há algumas sequências em que, especificamente, a fusão dos trabalhos de Jodorowsky e Doyle alcança a esfera do sublime, como a do carnaval de demônios e esqueletos, no qual o protagonista surge ironicamente na pele de um pierrot angelical, a despeito de sua verve anárquica. Os entornos multicoloridos contrastam com a paisagem cinzenta de um país prestes a voltar às mãos de Carlos Ibáñez del Campo, presidente militar que aparece no longa-metragem sendo saudado por passantes mascarados. A reverência ao cavalo do político remete ao episódio de Incitatus, animal que o imperador romano Calígula nomeou senador para demonstrar poder.
A figura paterna é muito forte no filme, seja inicialmente, ao precipitar a partida do filho por incompatibilidade, ou mesmo no final, ao tentar de todas as maneiras impedi-lo de ir à França. Aliás, essa é a passagem mais emocionante de Poesia Sem Fim, quando Alejandro Jodorowsky em pessoa surge para sussurrar no ouvido de seu equivalente cinematográfico os desdobramentos daquele gesto de repúdio violento. É o cinema servindo como veículo de expurgação, de acerto de contas com o passado, então visto por meio da ótica de um sujeito que o transforma em matéria-prima da criação, assim potencializando-a com sentimentos genuínos e ressignificados pela passagem do tempo. A amizade é erigida a um olimpo sacrossanto por Jodorowsky, abordada como instância sem a qual não alcançaria o desabrochar humano e artístico. Confrontado frequentemente pelos poderes reguladores, o poeta do longa (e da vida) intenta desamarrar-se do mundo, ao menos garantindo o direito de pensar em muda-lo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 9 |
Leonardo Ribeiro | 8 |
MÉDIA | 8.5 |
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