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Sinopse

Um grupo de policiais precisa lidar diariamente com delitos cometidos contra e por crianças. A rotina envolve pedofilia, parentes abusadores e o confronto com menores infratores. Essa dinâmica ganha novos contornos quando uma fotógrafa enviada pelo governo passa a acompanhar as missões.

Crítica

A estranheza começa pelo título: afinal, o que quer dizer Polissia (ou Polisse, no original)? É exatamente o que a expressão fonética indica, apesar da grafia equivocada. Estamos falando da polícia, mas não da comum, aquela que vemos na rua todos os dias. Afinal, quem cometeria um erro tão básico de escrita? Crianças, é claro. E o departamento policial que ganha holofotes aqui é justamente aquele focado nas vítimas infantis, os pequenos que pouco podem se defender e justamente por isso necessitam de um cuidado especial. Mas o diferencial da obra dirigida pela também atriz Maïwenn Le Besco – ou apenas Maïwenn, como ela prefere assinar – se encontra além da denominação original. Está, principalmente, na delicadeza com que a cineasta desceu seu olhar para esse tema, buscando num painel de ações e reações um denominador comum entre os que vivenciam dia após dia estes conflitos, as consequências destas histórias em suas vidas e como cada um é afetado pelo que absorve nestes contatos. Não há um enredo único – além, é claro, do sentimento que os une e que certamente irá ser percebido também pelo espectador.

Polissia se desenvolve por duas correntes paralelas. No centro de ambos, temos os agentes que enfrentam no cotidiano da profissão casos escabrosos de pedofilia, abandono, abuso, violência, desrespeito e desamparo. Mas os acompanhamos sob duas óticas: seus momentos íntimos e particulares, quando estão longe do trabalho, e também no exercer de seus ofícios, os sacrifícios e esforços que precisam fazer para executarem suas responsabilidades sem se deixarem levar pelas ocasiões apresentadas – uma tarefa, nem é preciso dizer, quase impossível de ser realizada com total imparcialidade.

Com bastante naturalismo e uma câmera pouco intrusiva, como se fosse apenas mais uma observadora, Maïwenn entra em cena no papel de uma fotógrafa convocada para registrar o dia a dia desta divisão. Sua personagem, de início quase nulo, vai aos poucos ganhando relevo. Conhecemos seu ex-marido (o italiano Riccardo Scamarcio), seu envolvimento com colegas de trabalho e o flerte inconsequente que pode se tornar em algo mais sério. Há também a policial forte e decidida (Karin Viard, de Potiche: Esposa Troféu, 2010) que em casa não possui a menor estrutura emocional, ou a amiga um tanto fria (Marina Foïs, de Para Poucos, 2010) que na verdade está à beira de explodir. Outro que ganha destaque é Fred (Joey Starr, astro pop francês pouco conhecido no Brasil), que está se separando da esposa e encontra refúgio na filha pequena para fugir dos horrores que é obrigado a lidar diariamente. Mas o curioso é perceber como estas vidas são tocadas pelos casos que até eles chegam, como o empresário poderoso que abusa da própria filha e crê ser intocável até pela lei, a mãe que prefere abandonar o filho à levá-lo consigo para morar nas ruas (esta sequência é, particularmente, de cortar o coração), ou a menina que, ainda criança, é prometida em casamento pela família devido à crença religiosa que praticam, num ato que, pelo Estado, é visto simplesmente como estupro. Dois lados de uma mesma moeda, que andam mais juntos que seria saudável acreditar.

Polissia recebeu nada menos do que 14 indicações ao César (o Oscar francês), inclusive para Melhor Filme, Direção e Roteiro, e ganhou como Edição e Revelação Feminina (Naidra Ayadi). No entanto, seu maior reconhecimento até então foi o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2011, quando concorreu ao lado de títulos como A Árvore da Vida, Drive, O Artista, Melancolia, Aqui é o meu lugar, A Pele que Habito, A Fonte das Mulheres, L’Apollonide, Habemus Papam, O Porto, Precisamos falar sobre o Kevin e O Garoto da Bicicleta. Uma incrível seleção que, de fato, reconheceu os melhores. Inclusive essa pequena obra prima, que mesmo chegando tardiamente aos nossos cinemas continua dono de uma força e de uma presença de muito impacto. Afinal, antes tarde do que nunca – tanto para os que o assistem e conseguem absorver o discurso praticado como também para aqueles que, através dessas histórias, encontrarão suas próprias oportunidades de mudança.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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