Crítica
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Sinopse
Em Oakland, na Califórnia, um ex-presidiário enfrenta os últimos dias de liberdade de condicional antes de acertar as suas contas com a justiça. Quando ele e seu melhor amigo presenciam uma troca de tiros envolvendo policiais, os dois hesitam sobre a melhor coisa a fazer. O caso expõe as diferenças de pensamentos entre eles e revela os traumas sociais de cada um.
Crítica
A realidade das minorias é um tema frequentemente associado à produção cinematográfica independente norte-americana. E destes, mais do que as condições adversas enfrentadas por questões de gênero ou de orientação sexual, talvez sejam as de motivação racial as mais presentes neste tipo de discurso. Ponto Cego, longa escrito e estrelado pela dupla Daveed Diggs e Rafael Casal, parte desse pressuposto, porém assumindo desde o início uma postura ainda mais ambiciosa: há vontade de se comunicar com um público maior, seja pelo uso de arquétipos conhecidos do cinemão hollywoodiano, ou pelo emprego de maneirismos que já viram dias melhores, como também pela desconstrução destes mesmos estereótipos, invocando uma originalidade que não chega sem cobrar seu preço, conquistando mais pela persistência do que pelo modo inusitado em que se apresentam. E é preciso dizer, na maior parte do tempo estes esforços, de fato, compensam.
Collin (Diggs) e Miles (Casal) são melhores amigos. O primeiro está nos seus últimos dias de condicional, e precisa se comportar ao extremo para evitar um retorno à cadeia. Ambos trabalham em serviços comunitários, e a responsável por diariamente lhes passar a ordem de tarefas a serem cumpridas é a ex-namorada deste prestes a se tornar, novamente, um homem livre. Não sabemos por que ele foi preso, e se este fato teve, ou não, interferência da separação deles. O que fica logo evidente é que ainda há atração entre eles, e que ele é muito mais determinado e comprometido do que o seu colega. Com uma diferença: Collin é negro, e Miles é branco.
A tom adotado a partir de então fica claro logo em uma das sequências iniciais: ao voltar para o dormitório designado pela justiça, onde precisa estar impreterivelmente antes das 23h, minutos antes do seu toque de recolher, Collin acaba testemunhando um jovem, também negro, fugindo de um policial – que, por sua vez, é branco. O oficial dá grito de prisão, mas é ignorado. Sem hesitar, atira, e o rapaz em fuga cai morto. É quase impossível para o protagonista não pensar que “poderia ter sido eu”. No dia seguinte, ao acompanhar as notícias nos telejornais, descobre que o fugitivo era não mais do que um adolescente, um garoto com pais e residência fixa, que apenas havia corrido por uma pequena contravenção. Nada que justificasse a sua morte. Mas na América de hoje, basta que a cor da pele seja ‘errada’ para que o motivo se faça presente. E se estamos falando dos Estados Unidos, é bom não sermos igualmente cegos: essa realidade está mais próxima do que gostaríamos de acreditar.
Mais do que os episódios que vão ocorrendo entre os dois amigos e suas obrigações diárias – Miles e uma constante irresponsabilidade, sempre prestes a perder a razão por causa de um temperamento exaltado, ou o comportamento perigoso, que procura brigas em festas e leva armas para dentro de casa, mesmo com um filho pequeno por perto, enquanto que Collin tenta se reconectar com a antiga paixão, voltar para casa e assumir de volta um papel ativo em sua comunidade – está na forma como cada uma destas questões vão se apresentando a ambos, principalmente nas diferenças que gradualmente se impõem, baseadas quase que única e exclusivamente não em quem eles são, mas em como os outros os veem. Até a questão da pena a ser cumprida por um, e ignorada pelo outro, é motivo de uma revolta que bate fundo, mas segue calada. Ao fazer uso de um tom propositalmente leve, com toques de humor aqui e ali, o diretor de primeira viagem Carlos López Estrada consegue ser ainda mais efetivo no debate que provoca.
Daveed Diggs tem construído uma carreira interessante. Após marcar presença em séries como The Get Down (2016), Unbreakable Kimmy Schmidt (2017) e Black-ish (2016-2018), e passar de forma discreta por sucessos como Extraordinário (2017), ele aqui tem sua primeira oportunidade à frente de uma trama de assumida importância – mais ou menos como Matt Damon fez, duas décadas atrás, com Gênio Indomável (1997). E também assim como esse, tem ao seu lado seu melhor amigo, Rafael Casal, que faz com gosto uma estreia de peso. Ponto Cego pode resvalar no uso um tanto exagerado de alguns cacoetes visuais – a edição picotada, a divisão por dias, a narração que emula o tom característico de Michael Peña em Homem-Formiga (2015) – mas, deixando de lado essa vontade de aparecer através da forma, é possível encontrar um conteúdo de fato relevante. É verdade que um tanto abafado por uma necessidade imperativa em ser pop, com sacadas rápidas e tiradas espertas. Mas nada que prejudique seu real valor. Um trabalho que chama atenção, e desperta uma curiosidade que tem tudo para ser justificada nos próximos anos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
Roberto Cunha | 7 |
Chico Fireman | 8 |
Diego Benevides | 9 |
Cecilia Barroso | 9 |
Marcelo Müller | 8 |
MÉDIA | 8.1 |
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