Crítica
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Sinopse
Um casal sueco planeja uma viagem romântica ao norte do país para superar a crise no relacionamento. Ele pretende reconquistar a mulher dos seus sonhos, e ela deseja anunciar a gravidez recém-descoberta. No entanto, os planos são deixados em segundo plano quando começam a ser perseguidos por um atirador desconhecido.
Crítica
Na maioria dos filmes clássicos, quando se apresenta um protagonista lutando contra figuras opressoras, somos levados a nos identificar com ele. Mesmo que adote comportamentos reprováveis, saberemos desculpá-lo em nome de seus objetivos nobres ou da dor que sofreram no passado. São raríssimos os casos em que o herói virtuoso se converte numa pessoa detestável diante dos nossos olhos. Dogville (2003), de Lars von Trier, constitui um dos exemplos mais provocadores entre as exceções: após horas observando a pobre Grace (Nicole Kidman) ser explorada e humilhada pelos moradores de uma cidadezinha, ela se vinga de todos com requintes de crueldade. Ora, como o espectador deve se comportar nesta hora? Continuamos nos posicionando junto à heroína desumana, ou nos afastamos dela e condenamos o sistema como um todo? O drama se torna exemplar para discutir a ética da vingança: pessoas sofredoras têm o direito de reproduzir seu sofrimento nos algozes? A lógica do olho por olho, dente por dente se sustenta dentro de uma sociedade democrática, regulada por princípios constitucionais?
Ponto Vermelho (2021) constitui um destes raros filmes amorais – diferentes de imorais. Durante exatamente uma hora, somos levados a torcer pelo reencontro entre Nadja (Nanna Blondell) e David (Anastasios Soulis), casal à beira de uma ruptura pelo desgaste cotidiano. Eles gostam um do outro e se esforçam para fazer o relacionamento funcionar de novo. Trata-se de figuras adoráveis, cada uma à sua maneira, além de bons vizinhos e profissionais competentes. Eles também se tornam vítimas de racismo, o que facilita a defesa de Nadja diante dos homens que a rejeitam pela cor de sua pele. Quando atiradores anônimos começam a ameaçar o casal com a mira de uma arma potente (o ponto vermelho mencionado no título), eles se tornam pobres alvos de uma caçada desumana, sobretudo considerando a gravidez recém-descoberta dela. O cachorro gentil também sofre com os ataques. Como não se solidarizar com símbolos de tamanho afeto e fragilidade? Entretanto, após uma hora de projeção, o jogo muda. O diretor Alain Darborg revela uma informação gravíssima a respeito dos protagonistas, a ponto de suspeitarmos de nossa adesão ao casal. Devemos continuar do lado dos dois?
Neste momento, percebemos que o verdadeiro conflito se constrói não entre Nadja e David contra o atirador invisível, e sim entre o diretor, enquanto contador de histórias, e o espectador. O cineasta corre enorme risco ao introduzir esta revelação tão tarde na narrativa (o filme possui menos de 90 minutos), podendo levar o espectador a abandonar a imersão narrativa e a suspensão da descrença. Em que posso acreditar, sabendo que tudo o que vi até agora era falso, ou apenas parcialmente verdadeiro? Como posso confiar nos meus próprios olhos, nas imagens à minha frente? O suspense brinca com o pacto de espectatorialidade estabelecido emqualquer ficção. Dentro de uma inesperada trama onde todos seriam igualmente condenáveis, por quem devemos torcer? Em paralelo, o que pensar de personagens que estimávamos perversos, porém se revelam mais complexos conforme a trama avança? Ao invés de eliminar o maniqueísmo, fator louvável dentro de suspenses psicológicos, Darborg prefere manter o duelo típico entre o bem e o mal, porém girando o tabuleiro ao longo plena partida: de repente, os malvados são outros.
Graças a esta configuração, Ponto Vermelho se torna bastante interessante. O filme jamais busca intervenções externas ou acontecimentos improváveis para avançar: a narrativa inteira se sustenta a partir de duas ou três ações, com cerca de meia dúzia de personagens em cena, além de raros figurantes. O cineasta capricha na claustrofobia a céu aberto, investindo na sensação de que, uma vez sozinhos na planície congelada, o casal está perdido, já que todos os lados são iguais e não há abrigos no horizonte. Esta configuração geográfica representaria um desafio à maioria dos cineastas em termos de dinâmica, no entanto Darborg encontra variações às composições e à iluminação destes espaços, seja pela aurora boreal, seja pela presença de sinalizadores disparando luzes ao céu. O resultado navega de maneira satisfatória entre o suspense psicológico e o torture porn, embutindo cenas perturbadoras o suficiente para justificar a classificação etária 18 anos. A conclusão possui a coragem de manter seu ponto de vista extremo, sem concessões para agradar um público mais amplo – o final será amargo para espectadores em busca de uma recompensa emocional após tantas provações.
Apesar de tantas qualidades, algumas escolhas de direção são questionáveis. A corrida desesperada de Nadja e David sobre o gelo é acompanhada de uma câmera acoplada ao corpo dos atores, tremendo conforme eles correm, num recurso desconexo em relação à estética geral. A crise de pânico do marido abraça uma quantidade kitsch de sobreposições e efeitos sonoros. Darborg se perde eventualmente na busca por impacto (a cena da furadeira beira o cinema trash), porém se segura antes de perder os rumos da história. A noção do inimigo desconhecido funciona muito bem dentro de uma lógica contemporânea de medo da diferença: o casal acredita que qualquer pessoa ao redor possa corresponder ao atirador racista. Por isso, se vê no direito de atacar qualquer um em nome da autopreservação. O filme explora nossa tendência à barbárie, num círculo vicioso de pessoas que agridem quando se sentem acuadas, gerando expressiva quantidade de mortes para uma história dotada de poucos personagens. Ao contrário de tantas obras otimistas sobre nossa civilização em crise, o projeto sueco privilegia um olhar pessimista, e por isso mesmo, perturbador.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 7 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 6 |
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