Crítica
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Sinopse
Mary Morrison é uma famosa escritora de suspense. Quando se prepara para embarcar numa nova obra, contrata uma babá para ajudar nos cuidados com as crianças. No entanto, a trama sinistra do livro começa a se misturar a realidade. Mary seria vítima de uma perigosa intrusa, ou estaria imaginando as ameaças? Conforme o livro se desenvolve, a vida dos familiares é colocada em risco.
Crítica
Este suspense possui a curiosa mania de antecipar seus próximos passos. No início, apesar da vida tranquila da escritora Mary Morrison (Kristin Davis), a trilha sonora sinistra nos alerta que algo sairá muito errado. Em meio aos dias ociosos, a melhor amiga sugere à heroína a contratação urgente de uma babá para colocar a rotina em ordem, embora os cuidados com os filhos não constituam um problema até então. Quando a candidata a babá Grace (Greer Grammer) entra pela porta, ela faz uma cara de psicopata à câmera. Antes mesmo de conhecer o marido da heroína, Grace motiva especulações sobre o poder de sedução da jovem. Numa de suas primeiras frases, a garota comportada até demais afirma: “Eu sou um pouco obsessiva”. Adiante, Mary confessa não uma nem duas, mas quatro vezes, a incapacidade de distinguir o real do imaginário quando prepara um novo livro. Ora, como isso se manifestou anteriormente no processo de criação de tantas obras famosas? O roteiro ignora esta questão. Para a história, interessa apenas colocar a escritora e a babá em rota de colisão, avisando ao espectador exatamente aquilo que encontrará: tensão sexual e perigo de morte. Adivinha? Grace se tornará “um pouco obsessiva” adiante, e a heroína será incapaz de separar a criação da ficção. Pelo menos fomos avisados.
A diretora e roteirista Anna Elizabeth James tem a mão pesadíssima para a condução das cenas. Talvez ela tema que suas simbologias não sejam claras o bastante, ou duvide da capacidade de compreensão do espectador. De qualquer modo, ressalta suas intenções ao limite do absurdo: o erotismo entre as duas mulheres se confirma por uma sucessão vertiginosa de fusões, sobreposições, câmeras lentas e imagens deslizando por todos os lados, sem saber onde parar. A escritora bebe uísque e fuma charutos o dia inteiro (é preciso lhe colocar um objeto fálico na boca, claro), enquanto a casta funcionária mostra os seios, segura facas de maneira sensual e acidentalmente entra no quarto da patroa sem bater na porta. Por Trás da Inocência (2021) se torna um herdeiro direto da estética soft porn da televisão aberta (alô, Emmanuelle) e do erotismo de banca de jornal, tipo considerado “baixa literatura” por suas simplicidades e exageros. Ora, bons diretores conseguem extrair maravilhas de um material semelhante (vide François Ozon). Já a diretora encara esta premissa como se tivesse uma obra-prima em mãos, evitando assumir a óbvia vertente trash. Em consequência, a imagem é tomada por sobreposições do sexo oral feminino a um buquê de rosas, mulheres passando protetor solar nas costas uma da outra (com direito a gemidos) e carícias nos seios dentro do provador de uma loja.
Kristin Davis representa uma escolha improvável para o papel principal. A atriz utilizava sua expressividade exagerada com finalidade cômica em Sex and the City, atingindo um resultado pertinente à série. Entretanto, dentro de um gênero dependente de ambiguidades, a composição da protagonista beira o constrangimento. Ela acorda sorrindo para o teto e interpreta a gentileza sem variações. Em seguida, demonstra igual desconforto para segurar charutos e participar de cenas de sexo. Medo, desejo sexual, raiva e tristeza são interpretados em modo próximo da caricatura. Sabe as brincadeiras em que se pede a algum amador para fazer “cara de tristeza”, “cara de felicidade” e assim por diante? O resultado é semelhante. Greer Grammer esforça-se para corresponder a um fetiche ambulante, sendo uma garota profundamente casta num momento, e radicalmente perversa no seguinte. Ela passa de vestidos abotoados até o pescoço e tranças impecáveis a espartilho e cinta-liga, num corte da montagem. Neste filme, mulheres são pudicas ou depravadas, donas de casa gentis ou escritoras loucas, sem meios-termos. A ideia da feminilidade beirando a histeria volta com força neste painel anacrônico das relações de gênero. Já os homens constituem figuras inertes, e as crianças, fundamentais para a existência da babá, são enviadas ao quarto sempre que possível, para a direção não precisar lidar com elas. Os gêmeos representam duas das crianças mais robóticas que o cinema já concebeu.
Se esta descrição soa negativa, espere até os trinta minutos finais. Neste momento, Por Trás da Inocência manda às favas a coerência e mergulha na lama do cinema B (ou C, ou D). O suspense psicológico passa de um filme moderadamente vergonhoso a algo espetacularmente canastrão. James tenta combinar Psicose (1960), Louca Obsessão (1990), Paixão Obsessiva (2017) e tantas obras envolvendo erotismo doentio, senso de competição, personalidades obscuras e escritores esmagados por suas criações. As reviravoltas se sucedem em velocidade espantosa, através de ferramentas de direção inacreditáveis: sugere-se o sexo oral diante de atores a um metro de distância um do outro; a mocinha se defende jogando uma folha de papel na vilã; a morte dentro do consultório resulta em efeitos de maquiagem risíveis; enquanto a investigação policial, a fuga da delegacia e o conflito no banheiro solicitam uma benevolência extrema do público. Se James tivesse mais coragem e ambição, poderia abraçar a incoerência ao limite do surreal, ou da metalinguagem jocosa. Em outras palavras, este poderia ser um filme sobre o trash, ao invés de um filme trash. No terço final, Davis grita a plenos pulmões, Grammer acentua as mudanças de voz, e efeitos computadorizados desenham algo próximo de uma possessão demoníaca. Neste caso, por que não? Quando o fracasso é inevitável, fracasse heroicamente.
O projeto se converte numa destas raras experiências de diversão involuntária. Cinéfilos e críticos se deparam com inúmeras obras onde a baixa qualidade provoca frustração, despertando ideias de melhorias que poderiam ter sido feitas aqui e acolá. Ora, este lançamento se encontra num patamar de qualidade próprio: é difícil imaginar diretores profissionais, com tamanho aparato de produção, atingirem um resultado deste nível. Deve-se admitir que James constrói um filme memorável, do tipo que dificilmente se confunde com outros suspenses psicológicos e eróticos que inundam as plataformas de streaming, e que não deve ser esquecido tão cedo. A sessão se revela genuinamente engraçada e catártica: uma sessão na sala de cinema, repleta de grupos de amigos com seus baldes de pipoca, deve ser hilária pelo potencial de expurgo coletivo diante das caretas de Kristin Davis e das falhas de montagem e continuidade. Poucos títulos conquistam um espaço no imaginário popular. The Rocky Horror Picture Show (1975) e Showgirls (1995) constituem algumas dessas experiências inicialmente péssimas, e depois abraçadas como tais, para o delírio de uma juventude sedenta pelo potencial de chacota. Apenas o futuro dirá qual caminho o filme de 2021 seguirá, porém existe potencial de se tornar uma referência do que não fazer no cinema. É delicioso se deparar com uma obra boa, mas pode ser igualmente satisfatório cruzar o caminho de alguma obra surpreendentemente ruim.
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Assisti o filme há 1hr atrás e vim ler sua crítica pra tentar entender o que foi isso. Gosto bastante de filmes com esse enredo porém foi muito mal explorado e mal feito. Fiquei na Expectativa de entender a história de Grace (que não teve). Fiquei sem entender como a babá arrumou o cabelo, transou com o marido e foram servir o jantar enquanto as crianças estavam soltas na casa e meio mundo de buracos sem sentido no decorrer do filme. O efeito da voz demoníaca foi a cereja de xuxu no bolo kkkkk 🤡
Filme horrível, lento, sem sentido nenhum, até agora estou tentando entender o final
A sinopse me deixou complementamente confuso, o filme em sí já mostra duas realidades, tais como distintas e sem contexto. Grace só ficou na casa por adquirir o relacionamento com James e Marry, um relacionamento doentio e sem dúvidas persuasivo! Não gostei dele, mas também não irei reclamar, pois, o filme nos mostra como devemos agir, interpretar e nos relacionarmos com o filme. Adorei o filme mas não gostei de nada nele.
Parabéns Bruno! Excelente análise sobre o filme, que tenta ser um Hitchcock de terceira classe, mas esbarra no erotismo, que se sobrepõe a proposta, creio eu, da idéia original do filme. Um filme confuso até para os fãs do gênero. E um final que me deixou com a sensação de otário. Ótima crítica
Horrível, sofrível, não consegui passar da metade do filme, apesar da boa atuação da antagonista a protagonista é péssima atriz, só faz caras e bocas, não convence em uma cena sequer.
Achei uma perda de tempo esse filme! Um dos filmes mais tensos e tosco que vi
Eu achei o filme muito forçado para um suspense. Nossa, se detesto num filme é o erro de continuidade. Num momento em que Grace está para entrar na piscina ela aparece com um enorme rabo de cavalo com uma fita. Ao entrar na piscina seu rabo de cavalo é menor e ela está sem a fita. Prestem atenção continuístas!