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Crítica


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Sinopse

O padre Victor tem sua pacata rotina alterada quando um jovem estudante de cinema descobre que ele dirigiu o primeiro filme pornô uruguaio, um remake erótico de A Noiva de Frankenstein (1935). Conforme Victor vai relembrando o passado, são revelados os percalços e as aventuras à realização do controverso projeto.

Crítica

Curioso como tendemos a ler flashbacks enquanto reproduções incontestáveis da verdade diegética, isto é, da realidade da narrativa. Relativizada por Akira Kurosawa em Rashomon (1952), no qual uma história é contada (e mostrada) de acordo com três perspectivas distintas, essa natureza pode ser utilizada como armadilha. Então, o que aparece não necessariamente é. Em Pornô Para Principiantes, importante pensar que cerca de 90% do que vemos é projetado das reminiscências de Victor (Martín Piroyansky), padre exilado de suas memórias até que alguém chegue para resgatar uma parte importante do passado até ali enterrado. Atualmente um pároco respeitado, ele dirigiu um importante longa pornográfico que acabou entrando para a história do gênero no Uruguai. Quem lhe questiona no presente é um aficionado, daqueles que exibem quase um intuito arqueológico no revolver do que parecia superado ou, quando muito, restrito a uma paixão mantida por poucos. Mas, o cineasta Carlos Ameglio evita que a atenção repouse sobre a natureza indefinida do que estamos vendo, desse modo conseguindo desviar a nossa concentração e preservando o que lhe soa essencial.

Porém, Pornô Para Principiantes não vale o quanto pesa a revelação supostamente inesperada (a partir de dado momento, nem tanto), mas pelas brincadeiras com as engrenagens do cinema. Falta-lhe um pouco de frescor na abordagem dos tipos decalcados de outras produções igualmente nutridas pela mitologia da Sétima Arte. Assim como vários congêneres, ressalta obsessões, paixões avassaladoras e a tentativa de manter-se íntegro diante de uma sociedade que enxerga a estabilidade como estágio a ser perseguido. Já vimos todos os personagens do longa em contextos parecidos, com pequenas variações – o criador enamorado pela estrela; o melhor amigo meio destrambelhado, mas de bom coração; o mecenas que precisa ser enganado para o projeto continuar vigorando; o produtor agressivo que fará valer a sua vontade com violência se preciso. Contudo, há um valor na forma como o realizador organiza essas pessoas a partir de uma comicidade que frequentemente vai buscar insumos na melancolia e no saudosismo. Algumas boas ideias são mal aproveitadas, é verdade.

A brasileira Carolina Manica interpreta uma atriz pornográfica contratada para fazer o filme uruguaio cuja missão é encher as burras de um sujeito que trabalha no ramo das videolocadoras. Geralmente ostentando figurinos que ressaltam sintomaticamente seus atributos físicos, ela desempenha com propriedade o papel da musa inspiradora/desestabilizadora. Ashley desorienta o protagonista anteriormente disposto a soterrar o sonho de se tornar cineasta em prol do iminente futuro como funcionário bancário e marido devotado. Pena que Carlos Ameglio não invista na subjetividade dos personagens, que evidentemente apresente deles apenas o suficiente para que arquétipos se sustentem como indícios e evidências. Poucas palavras são suficientes para definir Victor, sua noiva, o sogro controlador, a estrela magnética e o sidekick. Talvez se houvesse um pouco de disposição para desdobrar certas sacadas, o todo poderia ir além de uma brincadeira divertida. A utilização de Frankenstein – tanto o de A Noiva de Frankenstein (1935), longa dirigido pelo mencionado James Whale, quanto o da própria história de Mary Shelley – esbarra na superficialidade de sua articulação nesse enredo.

Victor (homônimo do doutor que deu vida à criatura monstruosa no livro citado) se vangloria de ter compreendido a dinâmica dos exemplares pornográficos e aparentemente faz uma colagem (um "Frankenstein") de vários deles para evitar de ver sua nova amada literalmente penetrada por outro. Porém, essa alusão metafórica é praticamente ignorada em prol da descoberta que encaminha as coisas para um lugar bastante conhecido de acerto de contas. Ou seja, diante da possibilidade de criar outro vínculo simbólico entre o filme em produção e as várias inspirações retrabalhadas sob a ótica da linguagem do pornô, o cineasta opta pelo caminho menos fértil. Ainda assim, sobressaem as pontuações que dizem respeito ao ofício do cinema, numa chave cômica daquelas mais propensas a sorrisos esparsos do que às risadas desbragadas. Outro ponto positivo é a reconstituição de época, das nostálgicas videolocadoras aos penteados que apontam aos anos 1980. Mesmo encarando um universo para lá de conhecido, sem tantos temperos próprios, tentativas de expandir/adensar discussões e tampouco proposições sobre o universo pornô, essa comédia tem seu sabor.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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