Crítica
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Sinopse
Uma dupla de cineastas ganha um importante prêmio num prestigiado festival internacional. Empolgado, Rodrigo assina um papel em que garante sua participação vitalícia em todos os filmes de Miguel. Todavia, este desaparece, voltando dez anos depois com a ideia de uma obra maluca que pode acabar com a carreira e a reputação do amigo.
Crítica
Independente da situação pela qual determinado discurso se aventure – ainda mais no ambiente cultural – é sempre aconselhável estar atento aos limites que poderão – em alguns casos até devem, e em outros muito pelo contrário – ser ultrapassados. Pois a crítica sutil pode num deslize se tornar agressiva, a ousadia pode se tornar escracho e o que era para ser simplesmente ruim, ao não se levar a sério, pode acabar tendo um resultado surpreendentemente positivo. A trupe do humorístico Porta dos Fundos – sucesso que teve origem na internet, conta com passagens marcantes pelo teatro e pela televisão e agora chega aos cinemas, com o longa Contrato Vitalício – sabe muito bem disso, até por que, em muitos casos, a graça de suas piadas se baseia exatamente nestas percepções. É de se lamentar, portanto, que justamente nessa primeira incursão de peso do grupo pela tela grande tal aprendizado tenha sido ignorado de forma tão radical.
Porta dos Fundos: Contrato Vitalício não chega a ser um filme ruim: é apenas chato, e esse parece ser o pior dos pecados vindo de um grupo de artistas do qual se pode esperar de tudo, menos enfado. Acostumados a lidar com piadas curtas e esquetes rápidos, dessa vez tiveram um desafio maior pela frente: criar uma narrativa que se sustente por cerca de 100 minutos, sem deixar a peteca cair. O que vemos em cena, no entanto, é justamente o oposto disso. O início é até promissor, as escalas são maiores e diferenciadas, a impressão é de estarem agindo de acordo com as expectativas levantadas. Mas, à medida que a trama vai se desenrolando, a paciência do espectador vai diminuindo na mesma proporção, cansado de ver mais do mesmo – e ainda pagando ingresso para isso, afinal.
Rodrigo (Fábio Porchat, o que parece ter melhor se desenvolvido enquanto ator nos últimos anos) e Miguel (Gregório Duvivier, melhor atrás do que na frente das câmeras) estão na cerimônia de encerramento do Festival de Cannes. Ator e cineasta nunca imaginaram que iriam tão longe, e quando se dão conta que o filme deles ganhou a Palma de Ouro, a felicidade e a surpresa são imediatas. À ponto de, na festa pós-premiação, tomarem todas e declararem fidelidade eterna um ao outro – querem trabalhar para sempre juntos. O compromisso é assumido em um guardanapo, com a presença de testemunha e assinaturas de ambos. Está feito o contrato vitalício do título. Só que, na mesma noite, Miguel desaparece. Rodrigo, sozinho, volta ao Brasil e, eventualmente, acaba esquecendo da história.
Dez anos se passam, Rodrigo não é mais uma promessa, e sim um astro de primeira grandeza, e está de volta à Cannes – agora como jurado. E o que menos espera, acontece: Miguel reaparece! Ele afirma ter sido sequestrado por alienígenas e levado ao centro da Terra, onde lutou para sobreviver por todo esse tempo. A aparente alucinação seria o menor dos problemas do amigo, caso o pior não viesse depois: o diretor quer retomar sua carreira, contando justamente a história pela qual acredita ter passado. E com o acordo entre os dois ainda bem vívido em sua memória, conta com Rodrigo para ser seu protagonista. Só que este está em um outro momento, não é mais o jovem ingênuo de antes e tem outras ambições para sua carreira. Portanto, o que precisará fazer para se livrar dessa bomba anunciada?
O humor do Porta dos Fundos nunca é inocente, e em Contrato Vitalício esse posicionamento é bastante claro. Porém, ao contrário do que o momento social brasileiro poderia indicar, o foco de ataque não é a política, e sim o próprio universo artístico ao qual eles estão inseridos. De California Suíte (1978) a É O Fim (2013), Hollywood parece bem acostumada a debochar de si mesma. Tal prática, no entanto, não é muito comum por aqui, e por isso essa iniciativa já merece uma maior atenção. Do empresário vivido por Luis Lobianco ao repórter/assessor de imprensa interpretado por Marcos Veras (os dois, aliás, os verdadeiros destaques do elenco, simplesmente por conseguirem, com habilidade, irem além do estereótipo visual que lhes é entregue), há uma verdadeira saraivada de críticas e referências que, obviamente, só irão funcionar entre os iniciados a esta realidade. Pseudo celebridades, blogueiras fitness, coberturas via snapchat e até as presenças físicas de figuras como Xuxa, Sergio Mallandro e Nelson Rubens deixam claro a quem o grupo está se dirigindo. Não deixa de ser frustrante, no entanto, a opção assumida de atirar para todos os lados, sem se preocupar com nenhum tipo de reflexão ou análise sobre os estragos apontados.
Se esperava muito de um filme do Porta dos Fundos. Não tanto pelas carreiras individuais de seus integrantes – longas como Totalmente Inocentes (2012), com Porchat, A Noite da Virada (2014), com Júlia Rabello, Copa de Elite (2014), com Veras, e Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo (2011), com Duvivier, depõem mais contra do que a favor de cada um deles – mas pelo impacto e ousadia que causaram quando unidos, desde suas estreias no cenário artístico nacional. Com personagens femininos desperdiçados (Rabello e Thati Lopes, por exemplo, mal conseguem ir além do clichê óbvio), escatologias desnecessárias (o que João Vicente de Castro e Rafael Portugal estão fazendo aqui?), violência gratuita (Antonio Tabet desperdiçado em uma participação sem sentido) e falta de fôlego para irem adiante com a proposta original, o diretor Ian SBF e o próprio Porchat (pois foram os dois, juntos, os autores do argumento original) deixam claro que o sensível Entre Abelhas (2015), que fizeram há menos de um ano, parece ser mesmo uma exceção em suas filmografias. E é impossível não lamentar tal constatação.
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