Porto dos Mortos

Crítica

Em uma cidade deserta, totalmente dominada por zumbis, um policial está em busca de um assassino que, nada mais é, do que um espírito maligno que se apossa de corpos humanos. A premissa poderia ser de mais um filme hollywoodiano ou até de uma próxima temporada do seriado The Walking Dead (2010-), mas na verdade trata-se do longa brasileiro Porto dos Mortos, rodado em Porto Alegre e arredores. Um sopro de alívio e criatividade que tenta mudar o panorama do cinema nacional, atualmente dominado por produções de cunho social e de comédias escrachadas.

No filme escrito e dirigido por Davi de Oliveira Pinheiro, acompanhamos a história do policial sem nome (Rafael Tombini, em cartaz também em Contos Gauchescos, 2012), que atravessa as ruas da cidade deserta (que muito lembra uma Porto Alegre em dias de feriadão) em busca do tal espírito, denominado apenas de Passageiro. Aparentemente um ser invencível, já que toda vez que seu hospedeiro está para morrer ele cita a frase “que o que está próximo de mim se torne meu” e acaba se apossando de outro corpo. O pior de tudo: o Policial tem apenas uma bala no revólver para acabar de ver com a matança do demônio. E é neste caminho que ele vai se encontrar com os outros poucos humanos ainda vivos do mundo.

A história pode não parecer original, tampouco o roteiro (que ainda contém boa parte de diálogos com pouca criatividade), porém o interessante desta produção é sua direção bem conduzida aliada a uma boa montagem. Aqui não faltam elementos que remetem ao western, ao road movie e, é claro, o horror trash, que há muito não se via na cinematografia nacional e também gaúcha. Conduzindo a história temos um programa de rádio apresentado pelo chamado “último homem da Terra”, que a cada edição conta um pouco de sua história pessoal. Inclusive é revelado ao espectador sua relação com o Passageiro, que matou sua irmã, ironicamente, quando ela deu carona para o estranho.

O Passageiro é devidamente caracterizado para facilitar a compreensão do público. Sendo homem ou mulher (Tatiana Paganella, na maior parte do tempo), ele está sempre usando uma capa de chuva, um chapéu de caubói, máscara de gás e tem os olhos profundamente negros. O elenco desconhecido pode até pecar em alguns momentos por expressar suas ações e falas de forma um tanto quanto robotizada, mas isto parece também se encaixar na proposta. Afinal, há tão pouca gente neste mundo pós-apocalíptico que os sobreviventes parecem não saber mais conversar.

O maior problema da história talvez seja ela ter sido vendida como um filme de zumbis, quando, na verdade, estes são meros coadjuvantes que se esgueiram sem destino pelas ruas, sempre próximos ao local onde o Passageiro se encontra. Por sinal, a maquiagem destes mortos vivos é não é o maior destaque, mas há de se dar um desconto não apenas ao orçamento do longa (cerca de 300 mil reais investidos do próprio bolso dos realizadores). Fica a dúvida também se não foi uma escolha estética, dado à atmosfera trash da produção. Ainda assim, quem for ao cinema esperando algo no estilo Terra dos Mortos (2005) vai se decepcionar. E muito.

Porto dos Mortos entrega um roteiro com início violento, mas que vai se desenvolvendo lentamente, assim como a própria história do Policial, que sempre fracassa em sua missão de acabar com o vilão. O processo narrativo parece ter sido alterado ao longo dos anos (a produção começou em 2007), talvez justamente para não ficar caracterizado como um filme de zumbis. Porém, é evidente em certos momentos que esta era a proposta inicial, mesmo que o corte final tente disfarçar. Algumas cenas desnecessárias poderiam ter sido melhor aproveitadas, como quando o garoto que o Policial encontra com a namorada, no início do filme, fala “sozinho” no carro, alternando vozes diferentes em um monólogo que explica o que ele está buscando. Esta dualidade do personagem é mal trabalhada posteriormente, o que tira a força deste diálogo inicial.

Por outro lado, Porto dos Mortos merece créditos justamente por fazer deste mundo pacato e aterrador apenas um pano de fundo para uma história de caçada e vingança, que chega ao seu clímax no melhor estilo western, com os protagonistas de frente um para outro, sacando as armas e mostrando quem é o real vencedor da disputa. Mérito de uma realizador que está apenas começando sua trajetória no cinema, mas que, ao contrário de seus personagens, aparenta ter um belo futuro pela frente.

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Matheus Bonez

é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.

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