Crítica
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Crítica
No fim da primeira década dos anos 2000, o sucesso inesperado de Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito (2008) provocou um pequeno (mas significativo) ciclo de filmes-espírita no Brasil. É assim que qualquer mercado responde a um sucesso: tentando reproduzi-lo e aproveitá-lo até o esgotamento da tendência, torcendo para rapidamente outra aparecer. Predestinado chega de modo um tanto tardio nesse panorama, ainda mais por se tratar da cinebiografia de um dos maiores fenômenos do espiritismo do Brasil, José Pedro de Freitas, mais conhecido como Arigó. Ex-operário da mineração, ele começa a receber um chamado do além e se torna o primeiro médium a incorporar o espírito do médico alemão Dr. Fritz, morto durante a Primeira Guerra Mundial. Vivido nas telonas por Danton Mello, esse personagem é encarado como um herói relutante que não está disposto a encarar seu destino. Também é observado como uma vítima do sistema, ou seja, alguém que sofre nas mãos dos mantenedores do status quo por defender/encabeçar métodos que vão além do que supõe nossa vã filosofia e até mesmo a ciência. Não é muito difícil perceber que o cineasta Gustavo Fernández, com base no roteiro assinado por Jaqueline Vargas, estabelece um paralelo bastante óbvio entre o brasileiro e Jesus Cristo, o nazareno que igualmente hesitou diante de sua sina e foi perseguido pelos poderosos.
A tendência dos filmes-espírita mencionada no primeiro parágrafo criou uma série de elementos comuns nesse tipo de produção. Alguns deles se transformaram em verdadeiras muletas, tais como a utilização de um padre católico como o grande vilão da história. Aqui, essa função é desempenhada protocolar e burocraticamente por Marcos Caruso, intérprete do Padre Anselmo, o algoz principal do protagonista. Essa figura ladina, geralmente vista serpenteando pela cidade e fazendo a caveira de Arigó, é uma espécie de representante do vulto da Igreja Católica que impede outras doutrinas de crescerem e ocupar espaço entre os crentes de bom coração. O realizador poderia, ao menos, abrir um pouco o foco para realmente entender a instituição sediada no Vaticano como competidora feroz disposta a tudo para não perder clientes. Mas, Gustavo prefere apostar numa caricatura que nem serve a essa crítica e tampouco contempla matizes num jogo que tem mais do que elementos religiosos. Fazendo algo muito próximo do que o colega Wagner de Assis fez em Kardec (2019), cinebiografia de Allan Kardec, o realizador prefere colocar vigários e demais representantes da Igreja Católica como vilões estereotipados sem atenção às dores da população, maledicentes e que, em algum momento, serão convencidos de que estavam completamente errados. Essa abordagem é rasa e sem tons.
Predestinado é um filme empenhado em mostrar constantemente os justos sendo injustiçados e os injustos fazendo valer a sua impiedosa injustiça. E isso poderia render excelentes frutos, claro, não fosse a pobreza dramática dos personagens e as falhas ao tentar sublinhar coisas importantes como a força da fé, as provações às quais os homens crentes são submetidos e a complexidade de um famoso, incomum e perseguido fenômeno mediúnico que chamou atenção internacionalmente. É sacrificada até mesmo a espessura trágica desse sujeito que abdicou de sua vida pessoal em prol da cura de milhões de pessoas (não é uma hipérbole, pois se estima que Arigó tenha atendido mais de dois milhões de pessoas antes de morrer precocemente). Há escolhas bastante questionáveis, como mostrar Arigó sempre beijando um crucifixo antes de incorporar o D. Fritz. Da forma como essas cenas são filmadas e posteriormente interligadas, parece que o sujeito está utilizando um artefato pata se transformar no salvador da pátria, praticamente um super-herói a serviço do espírito curativo. Os mais familiarizados com a vida e a obra de Arigó podem dizer que era assim mesmo que as “possessões” se davam, mas nem sempre as circunstâncias que fazem total sentido na vida real também fazem sentido cinematograficamente. O que importa aqui é o efeito repetido que cria a chave para o vínculo.
Embora seja muito honesto ao não querer camuflar sua profunda simpatia pelo protagonista – e essa clareza é um ponto positivo –, Gustavo Fernández enxerta desnecessariamente certos cacos na trama, como a brevíssima e descartável conversa entre Arigó e o famoso Chico Xavier. Também é algo a se lamentar que atores talentosos como Marco Ricca, Antonio Saboia e Alexandre Borges não tenham mais do que meia dúzia de falas desimportantes. Outro ponto frágil de Predestinado é a personagem de Juliana Paes, Arlete, a esposa de Arigó. Como é infelizmente costumeiro nas cinebiografias de grandes homens da História, a esposa aqui é desprovida de subjetividade. Arlete vale apenas o quanto pesa a sua capacidade de segurar as pontas enquanto o marido famoso coloca em prática o suposto plano de Deus. Ela sustentava a casa com seu trabalho de costureira e criava os filhos do casal enquanto Arigó empreendia sessões exaustivas de cura nas pessoas que vinham de longe para vê-lo. E essa figura essencial é enclausurada no papel de cônjuge, no mais das vezes sendo vista chorando, demonstrando tenacidade, encarando o marido com preocupação, mas em nenhum momento ganhando espaço na trama para se expressar como um sujeito. Portanto, não é apenas por aderir quase irrestritamente aos modelos preconizados por outros filmes-espíritas que esta produção acaba naufragando, mas por reproduzir vícios capazes de relegar as mulheres a uma subalternidade que as apaga.
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Assisti ao filme hoje, muito bem feito, retratou com sensibilidade e presteza a grandeza de um homem humilde.Senssacional!