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Sinopse
Em Presença, Rebekah, seu marido e seus dois filhos, Chloe e Tyler, começam a sentir algo estranho ao se mudarem para uma nova casa. A aparição tem uma fixação por Chloe e, mais do que querer algo, parece precisar de algo que a moça tem a lhe oferecer. Dirigido por Steven Soderbergh.
Crítica
Presença não é um filme de fantasmas, embora tenha um fantasma. A diferença é fundamental. Aliás, devem se frustrar os desavisados que forem aos cinemas assistir ao mais novo trabalho do cineasta Steven Soderbergh esperando a típica história da família assombrada por presenças sobrenaturais numa casa nova. O ditado não diz que a “expectativa é a mãe da decepção”? Mas isso em parte é culpa do marketing da produção, que a “vende” como se ela fosse um exemplar clássico de terror com pedigree (pois é assinado por um nome de prestígio em Hollywood). Estamos diante de um longa-metragem que utiliza o extraordinário para falar do ordinário, neste caso dos problemas que marcam uma família como qualquer outra. A protagonista é Chloe (Callina Liang), adolescente em depressão depois da morte misteriosa de sua melhor amiga. No entanto, todos os personagens desse núcleo principal são fundamentais para a trama. A mãe (Lucy Liu) cheia de segredos e que tem uma atitude edípica com o filho mais velho; o primogênito Tyler (Eddy Maday) que, por sua vez, é o preferido ganhando aplausos maternos até quando fala as maiores atrocidades; e o pai (Chris Sullivan), uma figura passiva que sorrateiramente busca informações a respeito das implicações legais dos crimes de um cônjuge – deixando com isso muito claro que a tranquilidade matrimonial é um fino véu de aparências que cobre a realidade.
Mas onde entra o fantasma nessa história? Ele é a câmera. Melhor dizendo, a câmera assume a perspectiva subjetiva do espírito, ou seja, assistimos a boa parte de Presença literalmente pelo olhar de alguém que não está mais no plano físico. Uma vez que se torna quase obrigatório para os personagens acreditar que há uma alma penada na casa, a maior probabilidade é que ela seja de Nádia, a falecida melhor amiga de Chloe. No entanto, nem mesmo a mulher com capacidades extrassensoriais que visita essa versão singular das casas mal-assombradas é capaz de definir ao certo a identidade da desencarnada. O roteiro David Koepp é inteligente ao não chamar tanta atenção para essa dúvida, abrindo assim espaço para o plot twist meio rocambolesco (ainda que criativo e original) que sacode as coisas no apagar das luzes. Voltando à família, ela é observada atentamente pela presença sem corpo físico que testemunha instantes e fenômenos cruciais para compreendermos as dinâmicas familiares e as questões pessoais. Por exemplo, ela enxerga a mãe demonstrando de modo escandaloso sua predileção pelo filho numa declaração de amor que passa um pouco do ponto no quesito maternal e quase ganha tom sexual. Ela também flagra o pai tendo conversas secretas que apontam para preocupações matrimoniais e, claro, Chloe em sua intimidade no quarto. O fantasma protege Chloe e chega a demonstrar ciúmes dessa garota.
Portanto, há todo um contexto muito bem montado e destrinchado por Steven Soderbergh, cineasta que se interessa mais pelo drama familiar do que pelo horror. Deste gênero, ele utiliza a máxima da família de mudança para uma casa mal-assombrada, mas logo subverte isso ao explorar a subjetividade do espírito que vaga aparentemente sem missão (a não ser proteger Chloe). Em busca de pequenos retratos dos personagens que lidam de modos particulares com a novidade da mudança e, a partir de certo ponto, com a presença extraordinária, o filme muitas vezes repete ideias, não necessariamente as desenvolvendo muito bem. Por exemplo, em pouco menos de 90 minutos somos apresentados a inúmeros momentos semelhantes de Chloe expressando tristeza e da câmera-olho-fantasma a velando como se fosse preciso se esconder no armário para a garota viva não perceber a sua presença. Do mesmo modo, o roteiro de Koepp nos apresenta fragmentos parecidos das dores dos personagens, ficando no meio termo entre elaborar um pouco mais cada membro da família ou permanecer nesse jogo de esconde-esconde. Outro “problema”, por assim dizer, é a dependência da sequência da vidente, que explica os fantasmas como se estivesse lendo um manual de instruções, para o clímax fazer sentido. Se nesse momento o espectador divagar um pouco, corre o risco de não entender o fim.
Presença é estiloso e consegue construir uma atmosfera intrigante. Pena que a dupla dinâmica Steven Soderbergh e David Koepp não torna mais instigante essa jornada feita dos mistérios de uma família observada pelo fantasma aparentemente melancólico. Outro ponto de desiquilíbrio é a fragilidade da conexão entre as histórias familiares e essa tristeza do olhar fantasmagórico muito bem expressada pela fotografia assinada pelo próprio Soderbergh. Aliás, a perspectiva triste do ser extraordinário é eficaz quando a câmera está deslizando pelos cômodos da casa ou mesmo nas vezes em que ela se demora espiando alguém. Contudo, toda vez em que o roteiro dá mais ênfase aos problemas do clã cheio de frustrações, tristezas e dificuldades de comunicação, praticamente nos esquecemos de que o olhar encarregado de filtrar tudo aquilo é o de uma alma penada. Assim, a câmera nem sempre sustenta essa subjetividade. Por fim, há duas viradas interessantes. A primeira (e mais eficaz delas) é a surpreendente revelação do criminoso, quando ninguém estava alimentando a possibilidade de existir algum culpado nas redondezas. A segunda (a mais repentina, corajosa, mas um tanto passível de gerar confusão) é a visualização do fantasma no espelho feito de grãos de prata (capaz de refletir os mortos). Ela ressignifica o que vimos e poderia ser um acontecimento mais chocante se melhor trabalhada.
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