Crítica
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Sinopse
Na sala de aula, o professor de teatro prega um método cartesiano. Lá fora, o mundo está "em chamas" por conta de proposições políticas que podem achatar a classe artística. Dois alunos se rebelam e pregam resistência.
Crítica
Enquanto na sala de aula exercícios são feitos em torno das técnicas teatrais, o mundo externo está convulsionado por proposições políticas que atentam contra a integridade da cultura no Brasil. Em Primeiro Ato, curta-metragem dirigido por Matheus Parizi, questões de diversas ordens atravessam o que acontece no ambiente pretensamente reservado à construção conjunta do saber. Desde o começo, o professor é lido como um sujeito de metodologia cartesiana, pouco afeito às contribuições dos alunos em torno de um trabalho sobre Coriolano, peça de William Shakespeare. Primeiro, encasqueta com a pronúncia oferecida por um dos presentes, a descartando. Segundo, repreende outro matriculado por conta da leitura bastante singular (e politizada) do texto do bardo sobre o general romano que tomou à força a cidade de Corioli dos volscos.
Nesse instante inicial, a intransigência do professor pode ser entendida como apego demasiado ao protocolo do método defendido, com o catedrático avesso a qualquer experimentação que fuja a um modelo pré-concebido. O realizador mostra essa figura de autoridade colocando em prática seu direito hierárquico, fazendo uso da “patente” para obliterar as argumentações e, assim, perdendo completamente de vista algo que porventura se originaria das fricções. Chamada de “coxinha” por um dos jovens – designação comumente utilizada para referir-se a indivíduos partidários de uma direita menos humana e raivosa –, essa figura permanece inabalável em sua missão de cumprir o programa, num posicionamento estranho a alguém lecionando uma matéria artística e, por isso mesmo, necessariamente aberta às vicissitudes das conjunturas.
Primeiro Ato, então, coloca em rota de colisão os dois alunos outrora repreendidos, de visões mais libertárias e atentas às turbulências sócio-políticas que os atravessam inadvertidamente, e esse professor que representa o poder vertical a ser questionado e, talvez, substituído por uma versão menos autocrática e hermeticamente fechada às adições da classe. Matheus é hábil ao apresentar, ainda que rapidamente, alguns colegas discordando dos protagonistas, colocando-se ao lado da ordem simbolizada pelo mestre, entendendo os questionamentos como meras interrupções. Aos dois rapazes resta o gradativo apartamento daquele cenário, com diferenças postas de lado em favor das congruências das lutas de ambos. O filme é um tanto disperso, às vezes oferece rodeios e leves redundâncias ao invés de ser absolutamente incisivo, mas tem a sua força.
Afora a sala e os ambientes urbanos que abrigam as elucubrações, há cenas capturadas com rigor documental na câmara dos vereadores de São Paulo. Dessa forma, personagens e pessoas reais se misturam num ato de repúdio, in loco e em tempo real, às medidas de austeridade prestes a serem tomadas pelo legislativo paulista. Esses momentos servem para adensar o choque entre as esfera revolucionárias e conservadoras da sociedade, apontando ao encerramento, ligeiramente abrupto e desajeitado. Nele, os protagonistas, compreendendo a infeliz impossibilidade de criar em conjunto que aglutine diversas vertentes ideológicas e de pensamento, resolvem partir a uma solução que, ao mesmo tempo, pode criar um bolsão de resistência e ampliar a predominância das bolhas, atualmente sintomáticas de uma sociedade bipartida, de convivência inconciliável.
(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)
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