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Sinopse

Um casal aluga uma casa no interior da Itália com o intuito de melhorar o relacionamento. No entanto, ao longo da estadia no local, eles são surpreendidos pelas intenções sombrias do proprietário.

Crítica

Atualmente, a privacidade é um conceito bastante volátil. Até que ponto “vendemos” voluntariamente uma parcela significativa dela nas redes sociais em busca de notoriedade e atenção? Quais seriam os limites cabíveis entre as naturezas pública e privada? Privacidade Violada traz como indício do suspense – e de certo terror – a ignorância do casal protagonista quanto ao fato de serem vigiados. Na verdade, inclusive a julgar pelo arremate do filme dirigido por George Ratliff, esse poderia ser o assunto principal. Mas, na contramão de obras-primas como Caché (2005), de Michael Haneke, em que a inquietude diante da exposição do foro íntimo surge como sintoma muito contemporâneo, aqui esta é apenas uma engrenagem da narrativa que rapidamente descamba para um drama romântico genérico calcado em neuroses masculinas. Bryan (Aaron Paul) e Cassie (Emily Ratajkowski) alugam um verdadeiro castelo na Itália para tentar colocar as coisas nos eixos em seu relacionamento estremecido pela infidelidade dela. Então, esse vínculo fragilizado logo se torna essencial.

A falta de nuances aparece já na transição abrupta entre um começo eufórico diante da sorte grande da estadia num lugar tão paradisíaco e a instauração de um clima pesado por conta de velhos fantasmas retornando. Depois de algumas cenas desnecessárias (pela quantidade) de banhos de Cassie, evidentemente ali colocadas para denotar vulnerabilidade, vem à tona o descontentamento do namorado que não consegue parar de pensar na escapadela alheia. Ele não dá conta, sequer, de transar, pois o ato sexual funciona como uma espécie de gatilho, a partir do qual imagina a traição não testemunhada. Então, Privacidade Violada tenta trabalhar em paralelo duas questões. De um lado, os problemas conjugais alimentados pela falta de confiança. Do outro, a figura intrusiva, algo sedutora, de Riccardo Scamarcio, o italiano que obviamente esconde-se atrás da superficial camada de cordialidade. Sabemos que o casal é vigiado, eles não. O realizador coloca o espectador passos à frente dos personagens. Dessa forma, podemos antever diversos dos desdobramentos e das reações.

Em frequentes momentos, Privacidade Violada fica ruminando questões anteriormente apresentadas, como o ciúme de Bryan e as tentativas de Cassie de compensar. Apesar dos diálogos explicativos, em nenhum instante há uma clara vontade de compreender essas pessoas, seus atos pregressos e até mesmo a maneira como ambos encaram o abalo que ameaça os separar. O que deveria sobressair no longa é a (pretensa) atmosfera de tensão, a intimidação representada pelo homem que aparece nas horas mais convenientes e impróprias. Mas, o roteiro desperdiça bons potenciais, vide a utilização deliberada do ciúme para colocar os namorados em rota de colisão. Quando isso acontece, é restrito a somente à passagem que prontamente motiva uma sequência encarregada de que fazer dela esquecível. Não dosando  bem as gradações de violência psicológica nesse jogo de gato e rato, George Ratliff passa longe de ter o cenário peculiar como um aliado, no sentido de espelhar nele o clima de mistério. Em suma, existem várias boas cartas na manga, mas poucas lançadas com sabedoria.

Considerando a excitação demonstrada por Bryan tão logo atos de selvageria tenham sido praticados – evidentemente como legítima defesa –, poderíamos esperar que o clímax gerasse a tese de que determinados traumas profundos perdem força ao serem substituídos por outros de maior impacto emocional. Mas, como mencionado antes, Privacidade Violada não se propõe a estudos profundos, quando muito demonstra as fragilidades evidentes diante de circunstâncias corriqueiras, tais como a quebra dos pactos de fidelidade. Riccardo Scamarcio apresenta um bom desempenho como o stalker hardcore, criando com certa propriedade sobre um arquétipo de maníaco bastante conhecido no cinema. Já Aaron Paul e Emily Ratajkowski se restringem a ser as vítimas de ocasião, cujas banais cenas de desacordo revelam a essência comum do filme. Histórias como essa precisam de uma construção atmosférica intensa, bem como da ciência dos potenciais alcançados a partir do entendimento do quê e de quando mostrar, e, respectivamente, do quê e de quando esconder. Definitivamente não é o caso. O resultado é um acúmulo de imprecisões que beira o monótono.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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