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Crítica


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Sinopse

Proibida pela mãe de praticar seu esporte radical favorito, uma menina monta uma estratégia para inscrever-se num campeonato: ela contrata um ator que deve fingir ser seu pai.

Crítica

A adolescente Blanca (Natalia Coronado) sofre com a morte do pai. Em outro lado da Cidade do México, Alberto (Juan Pablo Medina) sofre com a morte da filha. Ela perdeu o pai num acidente de bicicleta, e desde então, se tornou obcecada por bicicletas. Ele perdeu a filha num acidente de carro, e desde então, trabalha como motorista de aplicativos. Alberto é um ator sem dinheiro, precisando desesperadamente de um trabalho para pagar as contas. A mãe de Blanca, Fernanda (Silvia Navarro) desempenha a função de diretora de elenco, envolvida num filme que precisa desesperadamente de alguém para interpretar um pai. Quando a menina chama um taxista por aplicativo, Alberto é um dos primeiros a aparecer em sua lista. Nesta trama, os personagens foram criados para suprir as faltas uns dos outros, e para se equilibrarem até se tornarem pessoas melhores. A jovem protagonista possui comportamento arrogante, enquanto o ator fracassado sofre com a dependência de álcool e a dificuldade de manter um trabalho estável. Adivinha o que acontecerá quando ambos se encontrarem? Há tantas coincidências e conveniências neste roteiro que ele se torna uma comédia dramática incrivelmente previsível, mesmo dentro de um gênero onde a previsibilidade constitui fato consumado.

Resta ao espectador aguardar a concretização do que lhe foi prometido desde a primeira cena: que a garota chore a morte do pai, que o homem adulto chore a morte da filha, e sigam adiante. Este filme terapêutico sobre conciliações entre pessoas traumatizadas não acredita em processos orgânicos de luto, precisando rechear a trama com um sem-número de quiproquós na intenção de unir e separar os personagens quando lhe convém. Estamos diante de um universo assumidamente artificial enquanto construção narrativa, mesmo diante de sentimento tão universal quanto a saudade. Por acaso, Alberto está solteiro, e Fernanda, também. Por acaso, um concurso de BMX aparece na hora exata em que a garota precisa provar seu valor, e ela conseguirá se inscrever no segundo exato para competir – e assim por diante. O diretor e roteirista Javier Colinas privilegia a idealização, abrindo mão da verossimilhança em nome de um possível conflito dramático. As lágrimas prevalecem à lógica: durante um café da tarde secreto entre Alberto e a jovem, dentro de um restaurante onde competidores de bicicleta passam em alta velocidade e fazem manobras arriscadas (?), ele revela detalhes da morte da filha. A câmera então se aproxima do rosto do ator, enquanto a música tristonha invade a trilha sonora.

Quem, em sã consciência, acharia uma boa ideia coroar a confissão sobre a morte da filha como trilha melosa e zoom rumo à lágrima? As escolhas estéticas de Procura-se um Pai (2020) beiram a comédia, nem sempre em momentos previstos assumidamente cômicos. As cenas de competição de bicicleta em alta velocidade, com manobras nos ares, são particularmente mal filmadas, sobretudo no clímax da competição. A direção e a montagem jamais convencem que a garota esteja efetuando o percurso sobre rodas – o uso do dublê se torna evidente. Em paralelo, duas cenas desenhadas para exercerem forte impacto emocional se diluem pela dificuldade em orquestrar ritmos e espaços – algo fundamental numa comédia –, como é o caso da mímica na rua, diante de uma multidão de curiosos, e do teatrinho de adultos no quarto da garota, rumo ao terço final. A montagem tem a ideia de apelar a recursos infantis de associação entre cenas (cortinas, máscaras na imagem, associações evidentes entre símbolos, fusões entre placas) que tornam o resultado ainda mais juvenil, sem falar na trilha sonora de transição, tão alegre quanto genérica.

Para além das escolhas estéticas de gosto duvidoso, existem questões mais questionáveis no roteiro, sobretudo no que diz respeito à amizade quase instantânea entre o adulto Alberto e a pré-adolescente Blanca. O homem passa a sair com a garota em segredo à tarde, comprando comida para ela, retirando-a da escola sem contar para a mãe, e concordando em ingressar a menina num concurso perigoso sem o consentimento dos pais. Ele coloca a garota para trabalhar, humilha-a em público, leva-a a lugares sem lhe avisar sobre o destino. Este relacionamento não é apenas abusivo, mas também criminoso. Colinas pretende que o espectador o perdoe por ser um homem ferido, buscando uma figura simbólica da filha. Ora, nenhum trauma justifica a atitude do homem, perdoado pelo roteiro. A dependência de álcool de Alberto enquanto trabalha ao volante, a relação profissional entre Fernanda e o diretor de cinema Santiago (Luis Ernesto Franco), o regime de semiescravidão imposto pelo chefe de Alberto ou as crises de Blanca com a emprega doméstica Mari (Aleyda Gallardo) constituem diversas formas de abuso romantizadas pelo filme, que se recusa a enxergar qualquer problema mais amplos nestes laços sociais perversos. Há esperanças para as próximas gerações, conforme atesta a cena final, no entanto, os adultos estão perdidos numa sucessão de constrangimentos morais que o filme considera engraçadíssimos.

Ao menos, Juan Pablo Medina desempenha muito bem o papel do ator recluso, evitando sublinhar emoções evidenciadas pelo texto. Ele ainda precisa carregar frases de efeito (“Não tenha medo. Você pode ser forte”), porém efetua uma construção minimalista de corpo e expressões. Silvia Navarro, aclamada atriz de telenovelas, possui uma composição mais afetada, enquanto a pequena Natalia Coronado aposta quase todas as fichas nos olhos arregalados tanto para surpresa quanto para tristeza e raiva. A personagem exigiria uma variação emocional que o diretor não soube extrair da jovem intérprete, mesmo dentro de um registro de sentimentos óbvios. Para os mexicanos, resta o prazer de encontrar alguns atores locais interpretando a si mesmos em testes mal sucedidos, como Luis Arrieta, Moisés Arizmendi e Alberto Guerra, mas para a maior parte dos brasileiros, a piada se perde pela distância das referências culturais. Resta um conto de fadas contemporâneo sobre padrastos-príncipes, gatas borralheiras de bicicross e promessa irremediável de que todos os pecados (ou falhas morais, ou crimes) serão perdoados em nome das boas intenções. O gosto amargo que resta desta comédia sorridente provém da imposição forçada da ingenuidade a sentimentos e atitudes que não possuem nada de ingênuo.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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