Crítica
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Sinopse
Inspirador da saga Rocky, Chuck Werner foi um boxeador peso-pesado que vendia bebidas em Nova Jersey até ter a chance de subir ao ringue com o maior pugilista do mundo na época, para alguns, o maior de todos os tempos: Muhammad Ali.
Crítica
O boxeador Chuck Wepner, apelidado “The Bayonne Bleeder” – referência à sua cidade natal e a uma característica física particular: sangrar demasiadamente com os golpes recebidos – já era um lutador veterano quando foi convidado pelo promotor Don King a desafiar o lendário Muhammad Ali pelo cinturão mundial dos pesos-pesados, logo após este ter vencido George Foreman no confronto histórico realizado no Zaire, conhecido como “A Luta do Século”. No combate, de 1975, Wepner foi derrotado, porém, contra todas as previsões, resistiu bravamente – sendo nocauteado apenas no último (15º) round e conseguindo, antes, levar Ali à lona – feito que o tornou um herói local. Contudo, sua fama se estendeu um pouco além deste episódio, como revela a narração em off que abre este Punhos de Sangue.
A opção do cineasta canadense Philippe Falardeau por ter a voz de Wepner (Liev Schreiber) relatando sua trajetória desde o cotidiano em sua vizinhança ao lado da esposa Phyllis (Elisabeth Moss), uma funcionária dos Correios, e da filha Kimberly, faz com que o longa se aproxime da atmosfera dos filmes de máfia, com a ascensão e queda do gângster protagonista. Um recurso que dialoga também com os elementos metalinguísticos da obra, já que a popularidade momentânea do protagonista ultrapassou os ringues reais para adentrar os ringues da ficção. “Você me conhece, mas você não sabe que você me conhece”, afirma Wepner no diálogo inicial. Isso se deve ao fato da luta com Ali ter inspirado Sylvester Stallone a escrever o roteiro de Rocky: Um Lutador (1976).
A possibilidade da metalinguagem presente na ligação entre Wepner e o cinema acaba sendo o fator diferencial mais atrativo de uma jornada de redenção que, no geral, se apresenta bastante convencional. É a visão deturpada, ainda que pueril, do protagonista, acreditando que a história de Rocky Balboa é a sua história, que o leva a mergulhar numa espiral de degradação física e psicológica – regada a mulheres e cocaína – fruto dos efeitos da glória repentina, efêmera. Queda que resulta na deterioração da relação com Phyllis e no distanciamento da filha, bem como no abandono do boxe profissional e do emprego paralelo como vendedor de bebidas para aderir ao tráfico de drogas e explorar os resquícios de sua notoriedade em eventos humilhantes, como enfrentar um urso.
Afeito a longas emotivos, como o indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro, O Que Traz Boas Novas (2011), Falardeau busca uma abordagem mais enérgica, que tem como marca principal a emulação da estética dos anos 70. A granulação e os filtros de tonalidades sépia aliados à apurada reconstituição de época – figurinos, maquiagem, direção de arte – fazem com que o registro por vezes se confunda com imagens de arquivo, criando uma ambientação totalmente crível, completada pela trilha sonora. Se por um lado reproduz a aura imagética setentista, por outro, o diretor deixa de lado as nuances do contexto sociopolítico do período, algo fundamental ao sucesso de Rocky, o azarão que representava a realização do sonho americano em tempos de desilusão pós-Vietnã. O cineasta prefere explorar os excessos da era Disco, já que Wepner, com sua personalidade expansiva, não se mostra ingênuo e puro como Balboa, apontando mais na direção hiperbólica do Jake LaMotta de Touro Indomável (1980).
No entanto, Falardeau não se atreve a elevar Wepner ao extremo como Scorsese com LaMotta, preferindo contemporizar seus atos, e as consequências dos mesmos, como o vício ou sua passagem pela prisão. Essa amenização, somada ao retrato do clima exagerado da década de 70, faz com que a construção de algumas figuras esbarre na caricatura, como a bartender Linda (Naomi Watts), interesse amoroso de Wepner a partir do ato central. Felizmente, o ótimo elenco se mostra capaz de driblar as fragilidades de seus personagens, como Watts, que transcende o estereótipo da “garçonete de bom coração”. Num papel mais ingrato, da esposa que segue a linha tênue entre a subversão e a submissão relacionada às atitudes machistas do lutador, Elisabeth Moss também se sobressai com desenvoltura, imprimindo complexidade à Phyllis e protagonizando ótimos momentos, como a sequência da lanchonete em que confronta uma amante do marido.
Com menos tempo de tela, Ron Perlman empresta seu carisma ao empresário e treinador de Wepner, Al Braverman, enquanto Michael Rapaport, que vive o irmão do protagonista, tem duas cenas intensas externando um conflito familiar que poderia ser mais aprofundado. Contudo, cabe mesmo a Schreiber ser o catalisador das ações, função que cumpre exemplarmente, expondo todas as falhas de caráter de Wepner e, ainda assim, gerando empatia naturalmente. Na pele de um homem comum, sem a devida estrutura para lidar com o sucesso súbito, Schreiber insere traços da melancolia que envolve o personagem de Anthony Quinn no clássico Réquiem Para Um Lutador (1962), filme favorito de Wepner, citado diversas vezes. Capacidade evidenciada em sua expressão após fracassar no teste para atuar em Rocky II: A Revanche (1979), ou quando escreve um poema para a filha. Sua atuação é carregada de uma sinceridade compartilhada pelo personagem, ao assumir seus erros, e pelo roteiro, ao satirizar a própria linguagem cinematográfica: “Isso realmente parece coisa de cinema”, diz Wepner sobre um acontecimento próximo ao desfecho. Se não inova, ao menos o trabalho de Falardeau não soa artificial e, mesmo caminhando num terreno familiar, não afunda totalmente na previsibilidade.
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