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Sinopse

Com imagens de arquivo e depoimentos de antigos espectadores, uma história das salas de cinema que se localizavam nas avenidas São João e Ipiranga e em suas imediações, no centro de São Paulo. Conhecida como Cinelândia Paulistana, essa área viveu seu auge na década de 1950, chegando a ter mais de 15 cinemas em pleno funcionamento.

Crítica

Em uma das primeiras cenas do documentário Quando as Luzes das Marquises se ApagamA História da Cinelândia Paulistana, um homem relembra que chegou a assistir filmes no edifício que hoje abriga a igreja evangélica por ele frequentada. Tal destino, comum a boa parte dos antigos cinemas de rua de São Paulo localizados no chamado Centro Velho da cidade, próximos as Avenidas Ipiranga e São João, imortalizadas por Caetano Veloso em “Sampa”, não deixa de carregar certa ironia, já que, durante o auge do circuito da Cinelândia Paulistana a qual o título se refere, o ato de ir ao cinema era encarado quase como o ato de ir à missa: as pessoas vestiam suas melhores roupas, se programavam com antecedência, levavam suas famílias e, num momento de comunhão coletiva, contemplavam as mais recentes maravilhas da sétima arte.

Concebido pelo estreante Renato Brandão como projeto de conclusão do curso de jornalismo da ECA-USP, e realizado com recursos angariados numa plataforma de financiamento coletivo, o longa visa um resgate histórico dessa cultura de consumo cinematográfico que teve seu apogeu entre as décadas de 1920 e 1950. Uma cultura que difere totalmente do cenário atual em que as grandes redes inseridas nos shoppings dominam o mercado exibidor. Brandão traça uma linha cronológica partindo das primeiras exibições públicas de filmes no final do século 19 até o período de decadência da Cinelândia nos anos 80, culminando no fechamento de praticamente todos os estabelecimentos nas duas décadas seguintes. Essa espécie de infográfico – com dados como datas de inauguração, fechamento, reformas e mudanças de nome das salas – é entrecortada por depoimentos de cinéfilos que frequentaram os locais assiduamente em diferentes épocas.

A reconstrução dessa trajetória e da relação dos espectadores com o cinema enquanto espaço físico termina por espelhar a própria evolução social e histórica da capital paulista, bem como a relação da população com as ruas da cidade. Até meados dos anos 60, a ida ao cinema carregava o status de grande evento social, onde plateias de mais de 1.500 pessoas se reuniam para conferir os sucessos do cinema nacional e internacional em salas imponentes como o Comodoro, o Marabá, o Marrocos, o Art Palácio ou o Ipiranga. Época em que o uso de gravatas era obrigatório para os espectadores homens, em que as mulheres colocavam seus colares de pérolas e o público mais humilde juntava economias ou vinha das cidades do interior para conhecer os banheiros de mármore do Cine Metro e desfrutar de seu sistema de ar condicionado.

O declínio da venda de ingressos de cinema, acentuado na segunda metade dos anos 60, coincide não apenas com a popularização da televisão, que tirou o público das ruas mantendo-o em seus lares, mas também com o deslocamento da elite paulistana, que deixava a região central partindo para bairros mais afastados. O esvaziamento do centro e, por consequência, da Cinelândia, teve influência também na produção cinematográfica local, já que parte dos exibidores passaram a investir na realização de filmes baratos e de apelo popular, como as pornochanchadas da Boca do Lixo, fazendo com que o circuito recuperasse um pouco do fôlego financeiro entre meados dos anos 70 e início dos 80. Para ilustrar todas essas fases, Brandão se utiliza de imagens raras de arquivo, de fotos oficiais a cartazes e reportagens de jornais. Um material, sem dúvidas, precioso.

A trilha sonora minimalista acompanha a oscilação de sentimentos – da energia pulsante do início ao lamento do desfecho – que envolve um registro valoroso do ponto de vista informativo, mas simplista na esfera formal. A estrutura formulaica da narrativa não proporciona, por exemplo, um aprofundamento em temas de interesse como o das experiências particulares dos entrevistados. As memórias que brotam esporadicamente, como o prazer infantil de conferir as animações de Tom & Jerry ao lado do pai ou a imagem dos seios da musa francesa Martine Carol impressa até hoje na mente de diversos espectadores, dão um tempero especial aos relatos, porém, acabam sempre em segundo plano. Isso não apaga por completo a visível afetuosidade com a qual Brandão trata seu objeto de estudo em Quando as Luzes das Marquises se ApagamA História da Cinelândia Paulistana.

O tom nostálgico e melancólico do ato final, trazendo as imagens atuais das salas de cinema, algumas abandonadas e entregues a degradação, outras transformadas em igrejas e estacionamentos, ou ainda quando acompanha o exibidor Francisco Luccas Netto, a última linha de resistência da Cinelândia, que ainda sonha em ver seu Cine Dom João, hoje um cinema pornográfico, voltar a exibir os clássicos de Fellini e Antonioni, despertam o sentimento de empatia em qualquer amante do cinema. Todavia, esse sentimento termina esbarrando no esquematismo e nas fragilidades técnicas da realização – como a variação na captação de som e imagem – que, mesmo compreensíveis para um projeto de origem universitária, prejudicam o potencial do produto final.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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