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Sinopse

Depois de perder o emprego e se separar de sua esposa, Júnior volta a morar com sua família. Em meio aos seus dias de autocomiseração, ele encontra objetos que pertenciam à sua mãe e decide investigar a história de sua família.

Crítica

Após estrear com o pé direito como realizador com o drama Trabalhar Cansa (2011), co-dirigido por Juliana Rojas, o cineasta Marco Dutra (também co-roteirista de Meu País, 2011) dá seu passo mais ousado com o thriller Quando Eu Era Vivo, uma obra rara dentro da cinematografia nacional. E isso por um motivo muito simples: este filme se insere dentro de um gênero muito específico, que é o suspense sobrenatural. Se os cineastas brasileiros geralmente abordam esse estilo com reservas, receando esbarrarem em limitações de orçamento e tecnológicas, Dutra subverte essa lógica com criatividade e com um texto bem amarrado. E o resultado é surpreendente.

Júnior (Marat Descartes, vencedor do kikito de Melhor Ator em Gramado por Super Nada, 2012) está de volta na casa do pai viúvo (Antônio Fagundes). O filho está se separando, deixando esposa e uma criança para trás. Porém essa nova situação está longe de ser definitiva, uma vez que seu antigo quarto está alugado por Bruna (a cantora Sandy), uma estudante de música do interior que veio para São Paulo construir sua vida. A ação irá se estabelecer entre estes três vértices, criando um ambiente claustrofóbico e assustador. Júnior acorda tarde, sempre sendo posto para correr do sofá da sala, onde dorme. Ele faz muitas promessas – irá acertar o divórcio com a ex-mulher, irá procurar um emprego, irá reencontrar velhos amigos – mas tudo o que faz é ficar em casa lamentando situações passadas e revirando caixas antigas, indo em busca de recordações da mãe, que há muito se foi, e do irmão, que também não está próximo. O pai, por sua vez, faz uso de qualquer desculpa que estiver à mão para se manter o mais longe possível – ou, melhor ainda, dar um jeito de colocar o filho para fora, seja alugando para ele um quarto em um hotel vizinho ou mesmo dando um rumo para a vida do rapaz. E a garota, alheia à rotina daquela família, acaba se envolvendo de forma inequívoca e, acima de tudo, inesperada.

Tudo muda quando Júnior encontra uma antiga fita VHS e passa a rever momentos de sua infância. É quando vem à tona hábitos ocultistas da mãe e práticas suspeitas das crianças, que acreditavam falar com espíritos. Desenhos infantis reveladores e brincadeiras nada ingênuas podem, ao serem observadas décadas depois, indicar muito mais do que o esperado. E talvez nenhum dos envolvidos esteja pronto para o que poderá acontecer a partir desta nova realidade. O personagem de Bruna é o mais intrigante de Quando Eu Era Vivo. Se o segredo que ronda essa núcleo familiar é bem conhecido pelo pai – o que justifica seus temores e atitudes mais radicais – e a mudança de comportamento do filho encontra paralelos nas duas figuras ausentes – mãe e irmão – é naquela garota estranha à eles que o espectador tentará se identificar. Sandy oferece uma interpretação bastante naturalista, leve, que serve de contraponto ao peso soturno dos demais habitantes daquele apartamento. Se por um lado custamos a entender suas reações, tal distanciamento se revelará fundamental para a conclusão da trama, em que a surpresa soará até mesmo lógica para a maioria.

Marco Dutra consegue fazer de Quando Eu Era Vivo um interessante exercício cinematográfico, raro no nosso cenário cultural. É um cineasta com coragem suficiente para assumir os riscos necessários, e soma-se a isso o mérito de ter conseguido escolher um elenco à altura do desafio por ele imaginado. Descartes, parceiro desde Trabalhar Cansa, está entregue e visivelmente se divertindo com a situação. Fagundes, por outro lado, é um intérprete de método, que constrói um tipo dotado de diferentes níveis de profundidade. E Sandy se apoia numa necessária condução do realizador para fazer uso das suas carências e usá-las a seu favor. Este não é um filme que será visto por multidões como tantas comédias atuais, mas certamente é um trabalho que tem muito mais a dizer do que a maioria do que se tem feito recentemente no nosso país.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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