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Sinopse

Inácio, um esquizofrênico funcional, é porteiro em um prédio da Zona Sul carioca. Ele passa a ser o alicerce da família depois que seu pai, Guilherme, adoece e precisa sair do emprego como zelador, sem conseguir sustentar a casa. A situação piora quando Inácio fica obcecado por um dos moradores, fazendo a relação com sua mãe ficar insustentável.

Crítica

É curiosa a opção do cineasta Aaron Salles Torres pelo suspense para contar a história de Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe. Curiosa, pois, grosso modo, o longa-metragem aborda uma relação doméstica conflituosa. Inácio (Fernando Alves Pinto) e a mãe, Zaira (Catarina Abdalla), vivem às turras no pequeno apartamento na Zona Sul do Rio de Janeiro onde ambos moram. A cenografia desse lugar de constante embate chama atenção pela maneira como potencializa a tensão no ar, especialmente após a morte do homem que provia boa parte do sustento da casa, a despeito da condição crítica de saúde. Sua morte acende o pavio da bomba, portanto, prestes a explodir entre a esposa e o filho, então deixados para trás desamparados e sós. Há ainda a homossexualidade do protagonista, encarada como outra possível rachadura nessa interação que gradativamente aponta à anunciada tragédia.

Não faltam elementos a serem trabalhados, mérito do esmero do realizador para criar ambientes que ressoem as inquietudes. Todavia, também é flagrante a frouxidão das amarras, a superficialidade de determinados registros, a inépcia para nos manter verdadeiramente em suspense. Aliás, o filme depende demasiadamente da trilha sonora para se filiar ao gênero. Exemplos como o acintoso product placement em meio a um momento desesperador tanto à mãe quanto ao filho retiram o peso dramático das cenas, deslocando nosso olhar a superficialidades, negando-nos o direito de uma proximidade mais orgânica com os personagens. Nesse sentido é igualmente sintomático o contato com a assistente social interpretada por Silvana Stein e a psicóloga vivida por Karine Teles. Falta verossimilhança e, por conseguinte, organicidade aos diálogos, do que decorre a sensação de falsidade.

Ademais, é preciso suspender a descrença para aderir às incongruências, como quase tudo relativo ao vizinho por quem Inácio é apaixonado. Em parte, isso se dá pela interpretação de Lucas Malvacini, que não imprime verdade a uma figura construída simplesmente para ser objeto de desejo. Permanecendo no campo das interpretações, Fernando Alves Pinto vai na contramão do colega, ou seja, consegue tornar genuíno o torvelinho de sensações que atravessa seu personagem obviamente portador de perturbações mentais – algo inexplicavelmente sequer mencionado diretamente –, se alinhando sobremaneira à qualidade demonstrada por Catarina Abdalla, convincente na pele de uma mulher ressentida pelos rumos da vida, boa parte responsável pelo inferno em que sua casa se tornou. Mas, mesmo Fernando e Catarina passam ocasionalmente do tom, expondo a inconsistência e a oscilação da encenação.

Aaron Salles Torres torna claro o caminho provável que Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe vai tomar. Isso provoca a apreensão eventualmente transmitida. Assim sendo, não se torna uma missão difícil antever o clímax. Mas, o realizador supostamente nos passa uma bela rasteira ao valer-se do recurso (aqui canhestro) de mudar fatos devidamente apresentados ao alterar a perspectiva central. Canhestramente, temos boa parte do filme ressignificando em poucos segundos, o que não ajuda, pelo contrário, a tornar as coisas menos reféns de um esquematismo evidente. Voltando ao suspense, ele não se instaura como imprescindível à fruição da trama, até mesmo por conta da inabilidade do realizador de utilizá-lo para adensar o drama essencialmente familiar, ou seja, encerrado num núcleo bastante específico. Quanto ao galo, é parte de uma simbologia frágil, quase desimportante sem a explicação dos envolvidos na produção.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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