Crítica

Ao anunciar sua aposentadoria em 2011, Ettore Scola já estava há oito anos sem dirigir. Seu último trabalho havia sido Gente di Roma (2003). Durante o Festival de Veneza do ano passado, o cineasta apresentou Que Estranho Chamar-se Federico, uma cinebiografia com inserções documentais sobre sua amizade com o grande Federico Fellini. Ainda que tenha valores sentimentais e de fundo histórico, a obra mostra-se irregular. Porém, o saldo final mostra-se mais positivo do que o contrário.

A história começa durante a Segunda Guerra Mundial, quando um jovem Fellini (Tommaso Lazotti) vai trabalhar na publicação satírica Marc’Aurelio. A revista é lida constantemente pelo garoto Ettore Scola para seu avó, que era cego. Anos mais tarde, Scola (Giulio Forges Davanzati), já com 16 anos, também vai trabalhar na mesma Marc’Aurelio graças a seus desenhos caricaturais. Fellini já havia começado a dirigir filmes na época, mas ainda mantinha contato com seus ex-colegas. A partir daí, a amizade dos dois começa a florescer, especialmente nas corridas de carro noturnas, quando ambos pegavam passageiros aleatórios para ouvir suas histórias.

Um dos grandes problemas da produção parece ser o tempo gasto na ambientação da Marc’Aurelio, o conhecimento de cada pessoa daquela redação e suas longas reuniões de pauta. É importante para conhecimento do público a primeira vez que Scola ouviu falar no nome de Fellini ao ler seu primeiro conto na publicação, mas esta história em si também fica tempo demais em tela. Demora-se para saber como de fato os dois grandes diretores se conheceram. Scola usa sua direção tão conhecida, alternando entre a nostalgia e o bom humor, mas parece se ater demais às próprias memórias. Tanto que, em 1h30 de projeção, os fatos seguintes de Que Estranho Chamar-se Federico parecem correr para dar conta do roteiro. O elenco jovem, especialmente os intérpretes de Fellini e Scola (netos de Scola na vida real), soam apáticos, não conferindo a grandiosidade ou força dos nomes que estão encarnando.

Por outro lado, o filme conquista o público com as andanças de carro e seus personagens exóticos, da prostituta que desabafa quase de forma metafórica sobre o namorado que a largou ao pintor de rua que acredita que o cinema seja a menor das artes. Diálogos interessantes e que parecem de personagens saídos dos filmes de ambos diretores. Talvez esteja aí uma de suas fontes de inspiração. E é com os dois já “crescidos” e com nomes estabelecidos que a narrativa muda de forma, soando mais interessante ao inserir trechos de filmes de e com Fellini (como a cena de Nós que nos Amávamos Tanto, 1972, obra de Scola em que o diretor convenceu seu amigo cineasta a fazer uma participação) e alguns bastidores, como a Alberto Sordi e Vittorio Gassman em seus testes para o papel principal de Casanova de Fellini (1976), que ficou com o canadense Donald Sutherland.

Marcello Mastroiani é outra figura importante no longa, devido à amizade com os dois diretores. Também é notável a ambientação de boa parte do filme no Estúdio 5 de Cinecittá, onde Fellini realizou boa parte de suas produções e também foi velado entre o final de outubro e o início de novembro de 1993, quando morreu. A releitura bem humorada para o falecimento do amigo, seguida de vários trechos de seus filmes e de si, é uma rica homenagem de Scola, que teve como objetivo celebrar a vida do parceiro, e não chorar sua ausência. Ainda com os problemas ressaltados, Que Estranho Chamar-se Federico fica com um gostinho de “quero mais”. Uma pena que termine tão cedo.

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