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Sinopse

Em vias de perder a casa onde cresceu, Maddie se depara com um intrigante anúncio de emprego: pais risco procuram alguém para "namorar" com seu introspectivo filho de 19 anos antes de ele chegar à faculdade.

Crítica

É de se perguntar por qual razão uma atriz como Jennifer Lawrence, vencedora do Oscar e estrela de projetos campeões de bilheteria, decidiu se envolver com algo tão aquém do seu potencial quanto esse Que Horas Eu Te Pego?, uma comédia sexual adolescente que talvez nos anos 1980 encontrasse espaço, mas que hoje se revela tão inadequada quanto potencialmente problemática. A partir da constatação de que ela, além de protagonista, é também uma das produtoras, seria fácil pressupor uma confiança na capacidade de tal trama enquanto chamariz de bilheterias – se o projeto der lucro, grande parte irá para o bolso dela, além do cachê já recebido por seu trabalho enquanto intérprete. Mas o resultado é não só desprovido de graça – as piadas, se é que podem assim ser consideradas, beiram o constrangimento, seja pelo desgaste como também pela previsibilidade – como assusta por se mostrar desprovido de qualquer senso crítico, acreditando que nudez gratuita, situações forçadas de embaraço e uma total falta de habilidade por parte dos personagens seriam suficientes para sustentar uma ideia que nem no seu argumento mais pífio consegue se validar. Ou seja, uma vergonha.

O lado mais evidente do conjunto fala de uma garota nos seus trinta e poucos anos, que ainda não encontrou um rumo na vida – trabalha como garçonete e troca de namorados com a mesma frequência com que veste suas roupas íntimas – que, para salvar a casa onde mora (herdada pela mãe) de ser tomada pelo poder público por impostos atrasados, se candidata a um trabalho bastante suspeito: ser a namorada de mentira de um adolescente desajeitado. Os pais do garoto são milionários, possuem de tudo do bom e do melhor, mas também são superprotetores e não permitiram que o filho se desenvolvesse por conta própria. Perto da partida dele para a faculdade, se veem preocupados se o rapaz conseguirá sobreviver frente às adversidades que certamente encontrará. Assim, ao estilo mais ultrapassado possível, decidem que ele precisa ter uma experiência sexual com uma profissional – ainda que não seja esse, exatamente, o caso de Maddie (Lawrence, entregando uma persona que é um misto da despudorada vista em O Lado Bom da Vida, 2012, e a desajeitada percebida no recente Passagem, 2022).

Se os pais do adolescente não são machistas e misóginos o suficiente, há também o fato de que o ator escolhido para interpretar o tímido Percy é o desconhecido Andrew Barth Feldman (cujo crédito de maior destaque até então era ter aparecido como “estudante” em Ruído Branco, 2022). Ainda que tenha nascido em 2002 – ou seja, estava com vinte anos na época das filmagens – ele aparenta ter muito (muito mesmo) menos. Se alguém apostasse 14 ou 15, não pareceria errado. Sem barba, de porte mirrado, e eternamente sem saber o que fazer com as mãos, se mostra como um legítimo impúbere – ainda que o personagem declare ter 19 de idade. Tê-lo ao lado de Jennifer Lawrence, uma das mulheres mais voluptuosas e sedutoras da Hollywood atual, chega a figurar um quadro que beira à pedofilia. Não importa, em casos assim, quando o retrato se dá na ficção, dos fatos vistos nos bastidores, mas da sensação gerada na audiência. E a que se verifica aqui é perturbadora.

Por baixo de todo esse barulho e distração há um debate mais interessante que o roteiro de John Phillips (Tirando o Atraso, 2016), escrito em parceria com o diretor Gene Stupnitsky (Bons Meninos, 2019), não chega a dar a devida atenção: a gentrificação dos espaços urbanos, quando a especulação imobiliária acaba por expulsar os moradores tradicionais de um determinado lugar para a ocupação de novos e desinteressados locatários que visam apenas um desfrute momentâneo, sem estarem atentos à história e à formação destes espaços. Maddie só se sujeita a uma oferta de prostituição – por mais que se disfarce, há um acordo tácito de que ela precisa dormir com o garoto, e que, para tanto, irá receber como pagamento um carro novo (ou seja, uma compensação financeira em troca de sexo, e quando há esse entendimento prévio, o nome da transação é um só) – porque não tem mais como manter, com o seu orçamento limitado, os custos de morar em um balneário que se tornou concorrido por abastados em férias. E mesmo o desfecho não ameniza essa realidade: ela terá que ir embora, de um jeito ou de outro, e enquanto o rapaz tem pela frente algo que faz parte do plano – parte para a faculdade, já “adulto” (afinal, não é mais virgem) – a ela cabe recomeçar do zero, em um lugar desconhecido e sem ninguém para acolhê-la, torcendo para que o tempo não a torne indesejada também nesse novo destino.

Passar pano para debate tão urgentes – e potencialmente controversos – como os apontados no parágrafo acima faz de algo que já era ruim um conjunto ainda pior. Jennifer Lawrence, afastada das telas desde Operação Red Sparrow (2018) – nesse meio tempo trabalhou apenas em projetos para o streaming – retorna em um veículo que em nada acrescenta ao seu currículo, servindo apenas para lembrar de sua existência, mas em nada conseguindo remeter a uma alardeada excelência que exibiu no início da segunda década do século XXI. Demonstrando mais desespero (para se manter relevante em uma Hollywood cada vez mais atenta às diversidades étnicas, ser branca, loira e curvilínea não é mais suficiente como passaporte para o sucesso) do que estratégia, Que Horas Eu Te Pego? desperdiça oportunidades também pela falta de ousadia (a única cena de nudez é durante uma luta gratuita na beira da praia, quando Lawrence, no melhor estilo da Mística que viveu da saga X-Men, espanca três adolescentes – mas também apanha, inclusive com um absurdo soco na vagina). Se fosse descartável, talvez até pudesse ser esquecido. Mas a verdade é que se tem aqui uma bomba que, em outros tempos, poderia acabar com uma carreira. Resta esperar para ver como a estrela de Jogos Vorazes irá se sair no futuro – se derrotada, ou como sobrevivente. O certo, porém, é que as marcas deste tropeço permanecerão.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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