Crítica

Joy of Man's Desiring é o título internacional para o último trabalho de Denis Côté, Que ta joie demeure. Canadense mais conhecido por Curling (2010), Bestiaire (2012) e Vic+Flo Viram um Urso (2013), esse premiado na última edição do Festival de Berlim, Côté traz esse ano para a Berlinale outro filme arriscado, centrado na observação da relação do homem com o trabalho.

O longa abre com uma citação que define de forma irônica o espaço do trabalhador. Em seguida, surge uma mulher em solilóquio com alguém fora do quadro. Trata-se de confiança, respeito e dignidade. De forma poética, portanto mais indireta e menos clara, Côté parece querer nos introduzir às condições para as sequências que veremos dali em diante.

Adentramos o mundo do trabalho em diversas ocupações. Passamos da fábrica que transforma metais para a de móveis. Da lavanderia para o manuseio dos grãos de café. Tudo o que temos são imagens. O diretor expande a perspectiva do público acerca da ideia de trabalho, normalmente limitada ao afazer de cada um, colocando profissões distintas em pé de igualdade. Se a ideia de emprego contém a suposição de hierarquia, a de trabalho não sofre de tal narcisismo. Estão ali representadas as formas pelas quais se trabalha, da burocracia à disciplina; da paciência para a repetição ao manuseio fino da técnica. Os detalhes não escapam da câmera, que os registra no discurso do acontecimento, protagonista de Que ta joie demeure.

Após o primeiro passo, Côté mergulha na relação do homem com o seu ofício. Homo sapiens. Homo faber. A noção do trabalho como virtude aparece e acaba questionada quando a diferença entre operador e operação se desfaz, quando o homem passa a ser a própria máquina, entregue à repetição sem sentido de um afazer distante dos seus desejos. A automação vence e nós perdemos. A partir de então, a crítica dialoga com os trabalhadores, que aparecem cansados, visivelmente modificados do aspecto humano. Alguém com um uniforme de trabalho, parece sinalizar o diretor, é menos ser humano e mais trabalhador -  discurso que possivelmente concorda com a assistência provida pelos Estados de bem-estar social.

Na fábrica de Côté, seus personagens são menos importantes do que aquilo que fazem – incorrendo ironicamente no mesmo equívoco apontado nos seus registros. Na lacuna que resta, surge a desconfiança de que a obscuridade dos conceitos do diretor é uma divagação menos produtiva do que deveria.

No último ato, um garoto vestindo gravata surge em meio aos trabalhadores. A música que executa modifica o ambiente e altera o rosto dos personagens. A mensagem dada pelo contraste, ainda que bem intencionada, é um final em alto tom, com algo de ingênuo, para um filme fraco, mesmo que visivelmente esforçado. Na tentativa de transparecer a apatia dos trabalhadores para o espectador, Que ta joie demeure foi longe demais em sua demagogia, afastando o que deveria estar próximo – o público.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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