Sinopse
Uma jovem moradora de uma ilha remota sonha em ser dançarina. Meio por acaso, seu talento é descoberto pelo coreógrafo do clube de drags no qual ela trabalha no departamento de limpeza.
Crítica
Talvez a abordagem mais justa a respeito desse Queens seja estabelecer um olhar sobre a condição feminina em um país onde elas praticamente não têm com o que se preocupar. Afinal, fala-se aqui de uma nação de primeiro mundo – a Suécia – onde educação, habitação, alimentação, saúde e toda uma lista de direitos básicos, cada vez mais escassos no Brasil, por exemplo, lá se mostram como parte do cotidiano sem a necessidade de protestos, reformas ou revoluções. É por isso que Dylan (Molly Nutley) se permite passar seus dias lamentando a morte da mãe – ocorrida há mais de um ano – enquanto se ocupa com o trabalho, amigos e demais familiares, além de manter em um canto especial dentro de si um sonho maior: seguir os passos maternos e se tornar uma dançarina profissional. O que, e isso não chega a ser nenhuma surpresa, ela logo tratará de tornar realidade. Enfim, como rapidamente se percebe, este é um filme sem conflito. E se tudo é imensamente facilitado, como se envolver com a história?
Isso até não seria o maior dos problemas – apenas tornaria o conjunto irrelevante. Mas a diretora e roteirista Helena Bergström vai além nos seus tropeços e descasos, invadindo um perigoso terreno que beira a homofobia e agressão – e o pior, fingindo se passar exatamente pelo contrário. Ao assumir uma bandeira de “orgulho” e “tolerância”, o filme se aproveita de signos e de um discurso próprio de uma comunidade para colocá-lo a serviço de outros interesses, não apenas deixando de reconhecer sua fonte original, como também fazendo pouco da mesma. É por isso que, dentre tantas “boas intenções” que não chegam a se concretizar, apenas a jornada feminina tende a se destacar como a pauta a qual se manter atenta. Trata-se, afinal, de uma mulher buscando seu espaço no mundo. Porém, aqui, ao invés de enfrentar um suposto caminho das pedras e superar as dificuldades necessárias, opta pela via mais fácil: e essa, ao menos dessa vez, é uma composta apenas por homens.
Quem coloca Dylan novamente nos trilhos é a avó, reciclando outro clichê: da senhora conectada com o mundo. Em dois toques no computador descobre uma audição no Teatro Nacional para uma conceituada companhia de dança. A neta faz o que lhe é dito sem muita resistência, e após uma viagem de horas, do pequeno vilarejo litorâneo onde habita até Gotemburgo, uma das metrópoles do país, chega ao seu destino – porém com um mês de atraso. Os testes já foram feitos, e não há mais nada para ela. Ou quase isso: uma conversa casual com a faxineira do prédio a coloca em contato com a boate ao lado, onde está ocorrendo o ensaio para um show de drag queens. Não se entende bem o que leva a garota a aceitar um trabalho de apenas uma semana fazendo a limpeza do local, mas isso é suficiente para introduzi-la nesse mundo – o que resulta em uma apresentação para o coreógrafo do espetáculo, que tem apenas uma ressalva: “é uma pena você não ter nascido homem”.
Sim, pois apesar dela ter ido até a cidade para tentar uma oportunidade como dançarina profissional, é sem qualquer hesitação que se vê em um espaço do qual não faz parte. E como se não fosse suficiente, a solução que encontra para conseguir o que quer naquele momento – e os anseios dos demais parecem não ter peso – é mentir a todos e se fazer passar por um rapaz afeminado. Como dito antes, não há empecilhos em sua jornada, e dessa forma pouco importa o que diz para que acabe não apenas conquistando o espaço almejado, mas também uma posição privilegiada na apresentação. Quando a verdade, enfim, vem à tona – o que era evidente que acabaria acontecendo – a surpresa é tão vazia e traiçoeira que, ao invés de ser penalizada pelo erro, termina por se fazer de vítima, e é o resto da trupe que necessita ir em sua busca para tê-la novamente entre eles.
Escrito e dirigido por uma mulher e assumindo um ponto de vista feminino do início ao fim, Queens é problemático pois ignora as conquistas delas, expondo-as na trama como resultado de esforços alheios, e não do próprio suor. Não há profundidade no retrato da realidade homossexual que utiliza apenas como cenário – nem mesmo uma cena de beijo entre dois homens acontece – e os que lá estão são apenas caricaturas, nunca figuras reais. Por fim, tem como cereja do bolo uma execução amadora e tendenciosa, que abusa da câmera lenta e de uma trilha sonora óbvia, em detrimento da energia que tais situações exigiriam. Para se ter ideia, as sequências de dança são tão mal editadas que se mostra impossível ao espectador entender a dimensão do talento da protagonista – algo que é muito falado, mas nunca exibido. E o cinema, como se sabe, é a arte da imagem, não da palavra. Se fosse apenas ruim, talvez sua inocência permitisse uma alternativa. Mas vai além, revelando uma visão preconceituosa e limitada travestida de positiva – um engano muito pior.
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