Queens of the Qing Dynasty
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Ashley McKenzie
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Queens of the Qing Dynasty
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2022
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Canadá
Crítica
Leitores
Sinopse
Star é uma jovem deficiente enviada ao hospital após uma nova tentativa de suicídio. An, um imigrante chinês homossexual, é encarregado de supervisioná-la durante a internação. Os dois formam uma amizade inesperada.
Crítica
Este drama parte de uma configuração clássica do subgênero indie: a reunião entre duas figuras marginalizadas, incapazes de socializar, encontrando uma na outra a oportunidade de acolhimento. De um lado, encontra-se Star (Sarah Walker), garota com graves deficiências cognitivas, internada no hospital após uma nova tentativa de suicídio, desta vez via ingestão de veneno. Ela é órfã, vivendo sem a ajuda de qualquer familiar ou amigo. Por isso, entra em cena An (Ziyin Zheng), imigrante chinês homossexual, que precisa de “pontos de cidadania” para obter a permissão de estadia definitiva no Canadá. A ajuda a internos locais seria um passo suplementar rumo à naturalização plena. Enquanto isso, sonha em ter um corpo de mulher, ou conseguir um marido indiano que o trate com luxos e mimos, assim como as rainhas da dinastia Qing. Ele possui sonhos distantes e idealizados, transparecendo o primeiro passo para a descoberta de sua transexualidade. Ela não carrega sonho nenhum, nem conflitos com os desejos a longo prazo, pois vive num eterno presente. A menina tem os olhos arregalados, sem piscar, além de uma fala mecânica, sincopada. Já ele transborda de doçura e melodia, entoando cânticos tradicionais de seu país e baladas românticas de Céline Dion. A diretora Ashley McKenzie enxerga no encontro entre eles uma chance de equilíbrio rumo a um meio-termo considerável saudável. Esta forma de cinema nasce de uma proposta conciliatória.
A cineasta transparece uma compreensão muito particular da estética independente. Ela opta por imagens próximas de um formato quadrado, em longos planos fixos onde os rostos dos protagonistas ocupam a quase integralidade da tela. As cores são dessaturadas, superexpostas, tendendo a um mundo em tons pastéis, seja devido à paleta pouco convidativa do hospital, seja pelo inverno rigoroso que cobre as ruas de neve. Em especial, a trilha sonora intervém de maneira inesperada na narrativa, através de uma série de distorções altas, perturbadoras, combinando o ruído de objetos comuns com distorções eletrônicas de instrumentos tradicionais. Cada vez que a dupla permanece em silêncio (algo que ocorre com frequência), os chiados, apertos, tiques e pequenas explosões insistem em romper com a reflexão e chamar atenção excessiva a si mesmos. Esta música prejudica bastante a imersão no filme, introduzindo atrito onde havia leveza, ou certa forma de angústia onde parecia existir paz. Talvez a cineasta busque uma forma de equilíbrio de tons, ao apelar a dois caminhos extremos: uma imagem plácida até demais, sobreposta a estímulos sonoros incômodos e agressivos. Ela propõe que seus personagens se encontrem num meio-termo, mas no que diz respeito às escolhas estéticas, jamais efetua uma concessão semelhante.
Enquanto isso, a comunidade ao redor desaparece: os heróis são privados de amigos próximos, familiares com quem se importem de verdade, namorados ou antigos colegas de trabalho. Para um retrato social, surpreende o desinteresse da autora na construção de laços afetivos capazes de fornecer aos protagonistas algo a perder (no caso de uma internação compulsória ou uma extradição ao país de origem, por exemplo). Eles constituem núcleos autossuficientes, de aparência desafetada ou indiferente. A estratégia do buddy movie se dilui em termos de tom: este gênero costuma conceber um personagem frenético junto a outro depressivo, ou um extrovertido face ao colega tímido. Aqui, eles demonstram nível equivalente de morosidade, repetindo-se ao invés de se completarem. Seus diálogos tampouco exercem peso significativo no desenrolar da trama: os dois se restringem a falas banais a respeito de seus gostos ou medos, como se estivessem apresentando-se ao outro (e ao espectador) durante a integralidade da experiência. No final, conhecemo-nos bem, embora suas jornadas se limitem a uma presença ausente, um estado de torpor permanente. Afinal, a condição de An e Star seria crônica (a doença dela, o estado de estrangeiro dele), de modo que se contentam com as poucas opções de ações e movimentos oferecidas pelo roteiro. Nenhum dos dois busca qualquer aventura pessoal, revelando uma postura cômoda, pouco ativa.
Ao final, Queens of the Qing Dynasty (2022) busca transmitir uma mensagem singela: “Somos todos iguais, de certa maneira”, conforme afirma o garoto em duas oportunidades. Embora a proposta de equiparar os indivíduos por sua humanidade seja bem-intencionada, ela despreza as especificidades de uma deficiência mental e de um indivíduo imigrante e LGBTQIA+. Estas identidades não podem ser consideradas iguais em suas diferenças, ou seja, elas merecem respeito em igual medida, porém decorrem de fatores variáveis, e implicam em responsabilidades distintas dos indivíduos em questão, dos governos e das comunidades locais. Para McKenzie, pouco importa: eles se equivalem, e descobrem sua força quando se unem. Por isso, a conclusão permite um generoso salto no tempo a partir do qual os problemas insolúveis se resolvem, magicamente, devido à boa vontade e a um otimismo feroz. Podemos aplaudir a crença numa melhoria da sociedade, porém vale contestar a simplicidade mágica com que estes conflitos se solucionam — sem sabermos exatamente de que maneira, ou a qual custo. O drama sustenta uma aparência próxima do fabular, acreditando na moral de que tudo tende a se consertar de maneira natural, num futuro próximo, rumo a um terreno de compreensão e empatia mútuas. Tal discurso é veiculado por imagens apáticas, por meios sorrisos e dores módicas. Resta uma experiência tão potente quanto seus personagens, tão marcante quanto a passagens destes pelos hospitais, restaurantes e bares da cidade.
Filme visto no 72º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2022.
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