Crítica

Minha relação com os Coen sempre foi meio problemática. Nunca os abracei de imediato. Os filmes violentos do início da carreira não vi, os dramas policiais mais elogiados achei mais ou menos e os mais artísticos provocaram reações adversas em mim. Agora, quando resolvem destilar doses de humor negro, considero-os quase insuperáveis. E Queime Depois de Ler é o ponto alto deles neste estilo, conseguindo ser inclusive superior aos ótimos Arizona Nunca Mais (1987), Na Roda da Fortuna (1994) e Matadores de Velhinha  (2004), equiparando-se somente a outra pérola do currículo dos irmãos, O Grande Lebowski (1998). E o mais impressionante é saber que o roteiro deste novo trabalho foi feito quase que simultaneamente ao de Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), o petardo anterior dos dois que foi o grande papa-Oscar, premiado em quatro categorias, inclusive Melhor Filme e Direção. E ambos não poderiam ser mais diferentes. E, curiosamente, são também insuperáveis na trilha que seguem.

Queime Depois de Ler  é uma ode à idiotice. A trama é composta por uma rede de personagens patéticos que não têm a menor noção do que estão fazendo, para onde vão e de onde fogem. Seus motivos são ridículos, seus interesses são mesquinhos e suas ambições são pequenas. Mas este é o mundo deles, e nele se movem como ratos num labirinto, batendo cabeças e provocando pequenos terremotos por onde passam, sem pensar muito nas conseqüências dos seus atos. E é de deixar qualquer um de queixo caído como, mesmo assim, eles conseguem avançar em seus objetivos, ainda que enfrentem algumas penalidades e perdas pelo caminho.

Osbourne Cox (John Malkovich, num papel escrito especialmente para ele) é um analista da CIA que se demite após ser rebaixado de posto por problemas de bebida. Para se vingar, decide escrever suas “memórias”, revelando “os podres” que enfrentou em mais de 30 anos de serviço. Katie (Tilda Swinton, em seu primeiro trabalho após a oscarizada participação em Conduta de Risco), sua esposa, rouba dele um cd com as informações que ele redigiu para ajudá-la no processo de separação, já que deseja ficar com Harry (George Clooney, no terceiro trabalho ao lado dos Coen, após E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, de 2000, e O Amor Custa Caro, de 2003), um investigador federal que também é casado. Só que lá pelas tantas o tal cd desaparece, e é encontrado por dois instrutores de uma academia de ginástica, Linda Litzke (Frances McDormand, esposa de Joel Coen) e Chad (Brad Pitt, que tem o mérito de conseguir ser o melhor em cena, num elenco repleto de feras!). Os dois não tem noção do que têm em mãos e decidem chantagear Cox – ela para obter dinheiro para as cirurgias plásticas que tanto deseja, ele simplesmente porque não tem nada melhor a fazer. E é claro que nada sairá conforme o esperado. O que pode ser dito é que lá pelas tantas alguém será morto, Harry e Linda começam um caso, a embaixada russa será envolvida e o nome “Osbourne Cox” não será tão facilmente esquecido.

Se a estrutura do roteiro é surpreendente, outros detalhes conquistam ainda mais a platéia, como o ‘coro grego’ (os dois policiais interpretados por David Rasche e J. K. Simmons), que comenta o caso sem conseguir entender absolutamente nada do que está acontecendo. São tantos desencontros, desinformações e percepções erradas que nos final das contas não levam a lugar nenhum que fica impossível não achar graça de tamanha idiotice junta. Com um elenco surpreendente e uma incrível recepção do público, Queime Depois de Ler conseguiu um feito inédito na carreira dos Coen – estreou em primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas! Sucesso também de crítica, o filme combina bom humor com desempenhos arrebatadores de atores completamente entregue e confiante nos seus diretores, e estes seguros do que querem e em como obter o que procuram. Por fim há ainda a trilha sonora, divertidíssima e que contribui eficazmente em criar um clima de conspiração constante, porém completamente paranóico.

Foram poucos os filmes em 2008 que provocaram um resultado assim. E Queime Depois de Ler é uma destas obras que conseguirá servir de referência futura, eternizando-se não somente dentro de um gênero específico, porém ultrapassando limites antes estabelecidos. Verdadeiramente hilário, é um grande exemplo de como a imbecilidade humana pode servir de material para algo realmente superior. Como diz o slogan no cartaz, “inteligência é relativa”. Mas em alguns casos é inquestionável. E aqui temos um. Sem sombra de dúvidas.

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