Crítica
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Sinopse
Mário resolve finalmente contar à família que é gay. No entanto, antes de fazer a revelação que pode ser bombástica, seu irmão toma a dianteira e assume primeiro sua homossexualidade, provocando uma péssima reação do pai conservador. Para piorar seus planos, este dramaturgo se apaixona por Ana, a coach empresarial contratada para aprimorar a cervejaria familiar.
Crítica
No processo de luta de qualquer grupo invisibilizado, existe um primeiro passo que consiste em buscar o reconhecimento social de sua existência. Muitas décadas atrás, os filmes com personagens LGBTQ eram raríssimos, visando em sua maioria transformar estes indivíduos em contraexemplos (“Está vendo, é isso que vai te acontecer se você não seguir o caminho correto na vida”) ou se vingar de suas sexualidades, assassinando-os no final (“Está vendo, este é o fim que você vai ter caso se relacione com o mesmo sexo”). Naquele contexto, diversos gays, lésbicas e travestis ficavam compreensivamente felizes de se verem em tela, ainda que a representação fosse fraca, pois este constituía um minúsculo, porém importante passo. Em pleno 2021, a estruturas políticas se encontram mais organizadas, embora falte uma longa trajetória rumo à igualdade de oportunidades e ao fim do preconceito. O cinema popular abandonou o discurso punitivista e martirizante na maior parte dos casos. Agora, conquistando espaço crescente na política, na cultura e nas artes, indivíduos LGBTQ vão além da mera visibilidade em tela, exigindo uma representação adequada. A figura do gay palhaço, que faz os héteros rirem por sua inadequação e trejeitos exagerados, está longe de dar conta da multiplicidade de vivências no interior da comunidade.
No atual momento, exige-se uma imagem respeitosa, elaborada por indivíduos LGBTQ, e também para eles, fugindo à tradicional caricatura de gays sob medida aos olhares heterossexuais. Ao invés de solicitar “Por favor, seja mais tolerante conosco”, o cinema engajado passou a reconhecer o respeito enquanto direito, não um favor solicitado aos grupos majoritários. Dentro deste contexto, e comédia Quem Vai Ficar com Mário? (2021) comprova a existência de novos obstáculos para o respeito e a igualdade. A narrativa repleta de personagens LGBT (dois irmãos gays, o namorado de um deles, os colegas de trabalho gays, uma mulher transexual) foge à demanda de punição: o diretor Hsu Chien e os roteiristas Stella Miranda, Luís Salem e Rafael Campos Rocha acreditam na possibilidade de homens serem felizes com outros homens, além de aceitos por suas famílias e bem inseridos no mercado de trabalho. O texto concebe diferentes formas de viver a sexualidade, e repudia a homofobia estereotipada do pai gaúcho (Zé Victor Castiel). Além disso, aponta para um futuro otimista (crianças progressistas) e conta com atores comprometidos em oferecer um retrato respeitoso de personagens gays, sobretudo os talentosos Daniel Rocha e Felipe Abib.
Poderíamos nos contentar com estes aspectos e parabenizar o discurso. Entretanto, ele constitui o mínimo necessário em termos de responsabilidade – em outras palavras, autores abordando vivências LGBTQ não fazem mais que a obrigação ao respeitá-las. O filme ainda incorre em inúmeros pontos eticamente questionáveis: 1. A ideia de que gays efeminados servem somente de sidekicks e alívios cômicos, sendo desprovidos de conflitos próprios; 2. A sugestão de que mulheres transexuais e travestis representam a “falsidade”, a tentativa de enganar homens héteros (vide a pavorosa cena final); 3. O discurso de que todo gay pode se apaixonar por uma mulher, contanto que encontre a parceira certa; 4. A noção de que a intimidade entre homens é ridícula, encenada, circense e desprovida de carinho (vide a sequência de Mário com o namorado no quarto, e dos dois colegas no quarto ao lado); 5. A proposta de aceitação de indivíduos LGBT apenas na condição de consumidores (basta criar uma cerveja rosa para a marca ser considerada tolerante); 6. A repetição de piadas falocêntricas grosseiras relacionadas ao gosto por linguiças, o tamanho dos charutos e trocadilhos entre grelha e grelo, sem falar em duas piadas relacionando "Mário" a "armário"; 7. O foco único em homens brancos, musculosos e de corpos padronizados, ao passo que transexuais e personagens negros se tornam figuras de apoio; 8. O humor que ridiculariza gritinhos agudos de gays felizes ou surpresos, em associação depreciativa da homossexualidade à feminilidade etc.
Para além desta construção contraproducente, o projeto sofre com problemas de ordem puramente cinematográfica. Os roteiristas desconhecem o funcionamento básico da atividade de coach, e também de dramaturgo, escritor e empresário. Ana (Letícia Lima) chega à cervejaria familiar com a sugestão da tal cerveja rosa, ignorando a possibilidade concreta de desenvolver o produto. Ela finge apresentar uma sucessão de slides (o diretor demonstra sérias dificuldades em trabalhar a passagem de tempo) e conclui que é preciso extrair dinheiro dos gays. A expressão “pink money” aparece na tela. A encomenda se viabiliza por milagre, sem a presença de funcionários, enquanto o diretor de uma companhia de teatro se converte em personagem fundamental à divulgação do produto. Este amálgama de funções lembra aquele tio ignorante sugerindo que, já que seu sobrinho “trabalha com artes”, certamente fará comerciais de televisão e telenovelas, porque afinal, é tudo a mesma coisa. A coach, publicitária e aparente nova diretora da empresa também se revela editora de livros quando convém à trama. Caso a obra apresentasse um ponto de vista crítico à exploração marqueteira de uma tolerância de fachada, ofereceria uma reflexão pertinente em pleno mês do Orgulho LGBTQ. Ora, os autores aparentam acreditar que a cor do produto constitui um motivo real de comemorações. Ninguém cogita formar os funcionários para a tolerância, contratar novos indivíduos LGBTQ ou promovê-los. Ao final, a trama se conclui com um jingle sobre aceitação... da cerveja rosa.
Quem Vai Ficar com Mário? (trocadilho infame com Quem Vai Ficar com Mary?, 1998, que coloca o protagonista na posição de objeto, ao invés de sujeito) elabora um panfleto mágico de aceitação da alteridade, a exemplo do cinema dito inclusivo de três décadas atrás. Homofóbicos pedem perdão e se revelam tolerantes; namorados ciumentos voltam aos seus grandes amores e tudo se encerra em festa, como no final de uma novela. Em meio ao panfleto turístico da cidade de Nova Petrópolis, resta espaço para algumas frases de efeito: “Gente, estamos em pleno século XXI! Vocês ainda estão chocados?”, pergunta uma criancinha a respeito da homossexualidade do tio; “Não importa o rótulo, e sim o conteúdo”, em alegoria à fabricação de cerveja; “Eu gosto de pessoas, não de gêneros”, espécie de coming out pela metade – o equivalente de “Eu não sou racista porque não vejo cor” dos neoconservadores; e “Cerveja rosa é libertadora!”, que dispensa comentários. A superação da homofobia pela boa vontade e a insinuação de que gays se tornam mais aceitáveis a partir do momento que beijam mulheres correspondem a uma descrição retrógrada e ingênua do mundo. O cinema precisa superar obra sorridente sobre gays dirigidas ao público hétero, preferindo rir das palhaçadas destes gays festivos a ridicularizar a masculinidade frágil do pai – e certamente não é o conceito ofensivo e simplório de uma cerveja rosa que garantirá a cidadania das minorias.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 2 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 4 |
Não assisti ao filme, mas, pelo que li, pareceu-me uma versão de "O primeiro que disse", de Ferzan Ospetek, de 2010.
O filme é uma cópia muitíssimo fraca do filme original italiano intitulado "Mine Vaganti", ou "O Primeiro que Disse" (título que o filme italiano recebeu em português. O italiano é um filme engraçado, empolgante, sensível e pungente, com momento dignos da grande tradição italina, haja vista a cena final que mistura um casamento e um enterro ao mesmo tempo: genial. Eu recomendo. Já o brasileiro é um filme todo construído sobre clichês de bichas engraçadas. Lastimável!!!