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Crítica


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Sinopse

Claire decide criar um perfil falso em uma rede social para seguir o ex-namorado. Lá, atende por Clara, uma bela garota muito mais jovem. Alex, amigo do ex, interage com a criação e acaba se apaixonando por Clara, enquanto Claire, por trás das telas, também nutre um sentimento por Alex. Apesar de tudo se desenrolar no mundo virtual, as emoções evocadas são bastante reais, e podem trazer complicações para todos.

Crítica

Numa das camadas da narrativa de Quem Você Pensa que Sou há a escuta terapêutica, as sessões de psicanálise em que Claire (Juliette Binoche) relata os motivos recentes de sua amargura dilacerante. Divorciada, num relacionamento fugaz com um rapaz mais jovem, ela se vê constantemente refém dos fantasmas que a perseguem, especialmente os advindos diretamente do tecido social que pressiona as mulheres a considerar vitais as aparências. O cineasta Safy Nebbou apresenta com sensibilidade as ambiguidades da protagonista, por exemplo, intercalando as aulas em que ela menciona exemplos femininos fortes, tais como Marguerite Duras, com as demonstrações de sua sensação de fraqueza na intimidade. Boa parte do que assistimos no filme, portanto, são reconstruções a partir das falas, de um ponto de vista. Mesmo que este não seja um artifício trabalhado, é possível desconfiar da confiabilidade da narradora. Nesse sentido, as reminiscências talvez não sejam tão menos concebidas do que a dramatização posterior.

Quem Você Pensa que Sou conta com uma atuação brilhante de Juliette Binoche, especialmente no que diz respeito ao trânsito de Claire entre a realidade e a idealização. Inicialmente uma ferramenta para chegar ao ex via internet, o perfil falso numa rede social acaba "ganhando vida própria". Na esfera virtual, ela se transforma em Clara, jovem de vinte e poucos anos e beleza fulgurante. Há um jogo bem desenhado no filme, fomentado pela troca de mensagens e o crescente encanto por Alex (François Civil), aspirante a fotógrafo que acaba se enrabichando, inclusive, pelos mistérios utilizados como nutrientes da excitação. Claire frequentemente se apresenta em frangalhos diante da analista, a quem confronta, questionando métodos, como que testando sua elasticidade ética a fim de sentir-se segura para desabafar por completo. A trama é urdida com cuidado e vagar, focada no entrelaçamento perigoso das personas real e imaginária que a paciente queria indiscerníveis a fim de não perder de vista o seu novo amor.

Há um labirinto se desenhando com base nessas conversas que expõem paulatinamente os cenários. Determinadas perguntas da terapeuta, tais como a origem da imagem escolhida para representar essa outra e artificial vida, soam inicialmente aleatórias, mas guardam chaves importantes ao entendimento dos meandros que se entrelaçam formando nós tensos. Quem Você Pensa que Sou, num nível simbólico, lança luz sobre questões como a opressão sentida por algumas mulheres na casa dos cinquenta anos, a imersão na mentira como estratagema para suportar as dores da realidade e a (falta de) responsabilidade emocional. Claire não é observada como vítima, tampouco como algoz. Ela é esquadrinhada como alguém perdida em virtude de uma série de circunstâncias e agentes, incapaz de perceber o mal que porventura está fazendo a outrem ao se passar por uma menina apaixonada e disposta a entregar-se. No fim das contas, o longa é sobre a tendência humana de desferir golpes ao sentir-se acuado, ou seja, de atacar para se defender.

O desempenho de Juliette Binoche, contido em instantes pontuais, exasperante em outros tantos, se encarrega de preservar as contradições de Claire, de torna-la digna de empatia, sem para isso aparar as suas arestas. Na medida em que Quem Você Pensa que Sou progride, a relação da personagem com os fatos fica mais nuançada, uma vez que nem ao criar uma alternativa à tragédia ela se distancia da calamidade, pelo contrário, apenas a redirecionando. Embora a psicóloga sirva em alguns instantes como muleta, especialmente por anunciar considerações e conclusões às quais o espectador poderia chegar perfeitamente sozinho, a figura vivida com sintomática impavidez por Nicole Garcia é imprescindível, assim como o fato de também ser mulher e, desse modo, estar familiarizada com certos traços da angústia da paciente, comuns àquelas açoitadas por ditames sociais. As revelações dos últimos 20 minutos tornam ainda mais complexas as ações e reações de Claire.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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