Crítica
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Sinopse
Jonas decide visitar sua ex-namorada, Léa, depois de uma noite de bebedeira. Prontamente rejeitado pela ex, ele decide se abancar no café do outro lado da rua e escrever-lhe uma última carta de amor.
Crítica
Certa vez, Álvaro de Campos (heteronômio do português Fernando Pessoa) escreveu: “Todas as cartas de amor são / Ridículas / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridículas”. E o apaixonado é um ser que tende realmente a apresentar comportamentos ridículos, sobretudo se observado pelos olhos cartesianos dos que não estão amando e, portanto, permanecem avessos a esse teor ridículo. Jonas (Grégory Montel) exibe uma atitude meio atabalhoada já na cena de abertura de Querida Léa. Nele, é registrado pela câmera ao longe enquanto tenta convencer o segurança de um prédio a acreditar que ele apenas cochilou durante uma festa corporativa. O protagonista deste longa-metragem selecionado para o 13º Festival Varilux de Cinema Francês é um homem emocionalmente em frangalhos. O roteiro assinado pelo cineasta Jérôme Bonnell não nos entrega todas as informações de bandeja, constrói aos poucos esse panorama emocional, psicológico e afetivo. De pronto, sabemos apenas que ele sofre por conta do rompimento de seu relacionamento intenso com Léa (Anaïs Demoustier). A mulher mais jovem demonstra desconforto ao ser importunada logo cedo por esse ex-amante insone que não espera um horário civilizado para mendigar um pouco de afeto. O refúgio de Jonas passa a ser o bar de Mathieu (Grégory Gadebois). Aliás, o bar é propício aos causos de amor, como disse Reginaldo Rossi: “Garçon, aqui nessa mesa de bar / Você já cansou de escutar / Centenas de casos de amor”.
Reginaldo Rossi e Álvaro de Campos no mesmo texto. Sim, pois ambos falaram das coisas do amor, dessa sedutora cafonice que eleva os apaixonados e, adiante, pode asfixiar em semelhante medida os desiludidos. Grégory Montel compõe com propriedade esse homem dado a rompantes irracionais que encontra na escrita uma válvula de escape para seu coração sofredor. Querida Léa mostra o sujeito tentando lidar com uma dificuldade profissional, postergando reuniões e decisões sérias, se isso significar monitorar a janela da amada. Adversários pelo coração de Léa, transeuntes, frequentadores assíduos do bar, toda essa fauna atravessa uma tentativa de elaborar dores e amores. O mundo parece caber naquele bar com vista para o conhecido objeto de desejo que tira Jonas do prumo e o faz agir desavergonhadamente como um completo idiota diante de estranhos. Num momento específico, Jonas chega a invadir o apartamento de Léa, atitude que rima com a insistência do outro pretendente por um beijo negado um par de vezes. Jérôme Bonnell poderia, ao menos, fazer um breve giro de 180° e tentar observar as imposições masculinas pela perspectiva fragilizada de Léa, mas o que a ele interessa é o prisma dos homens. Tanto que Jonas e o adversário acabam conversando no bar a respeito do amor compartilhado. Uma simples e ligeira inversão de ponto de vista teria feito bem ao filme.
Há uma cumplicidade quase comovente na forma como Mathieu, o atendente do bar, observa o homem desconhecido que padece de paixão no estabelecimento. Novamente, méritos do intérprete. Grégory Gadebois investe esse coadjuvante de sensibilidade, ele que deve ter testemunhado inúmeras histórias como aquela, um indivíduo que provavelmente possui pós-graduação empírica em matéria de males do coração. Mas, felizmente, Jérôme Bonnell não cria sobre as bases dos estereótipos. A começar pelo bar que também pode ser compreendido como um pequeno restaurante ou uma cafeteria. Já Mathieu está mais para testemunha privilegiada que reivindica a possibilidade de influenciar os rumos da turbulenta relação, especialmente levando em consideração a sua admiração pela carta que Jonas está escrevendo. Uma das sacadas mais interessantes de Querida Léa é não sabermos mais do que ínfimos fragmentos do que Jonas redige à sua amada como um arauto da despedida. As frações que os homens discutem não são suficientes para captarmos a essência e nem mesmo a linha principal do que está sendo anotado. No entanto, o filme poderia trabalhar melhor esse desabafo, ao que tudo indica, com sérios contornos de obra de arte. Em determinado momento, Mathieu diz: “você não entregará a carta, privando todos dela, não é?”. Basta para acender a curiosidade.
No mesmo poema em que Álvaro de Campos anuncia que todas as cartas de amor são ridículas, ele afirma, contradizendo o que parecia ser uma crítica a essas missivas apaixonadas: “Mas, afinal / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são / Ridículas”. Mathieu se identifica com Jonas porque provavelmente já “escreveu” cartas de amor ridículas, daquelas que trazem à tona os aspectos mais íntimos das nossas almas. Querida Léa às vezes soa um pouco repetitivo e dependente de, basicamente, uma dinâmica (o homem sofredor), mas cresce quando possibilita que outros amores ridículos deem respaldo à melancolia do protagonista. Por exemplo, a mãe testemunhando a prisão do filho com distúrbios mentais que acabara de tentar matá-la. Também é uma pena que Anaïs Demoustier tenha somente espaço para ser unicamente essa mulher de temperamento oscilante que habita os sonhos de Jonas, com quem não parece conseguir manter um vínculo forte. No entanto, dentro de uma realidade cinematográfica em que boa parte das produções estão preocupadas em consolar o público com explicações e mais explicações, chega a ser bonito que Jérôme Bonnell ainda aposte em certos mistérios e recuse respostas definitivas. O que estava escrito na carta? O que estava predito na mão de Jonas? São perguntas que ficam sem respostas e, com isso, reforçam aquilo constatado por Renato Russo em Eduardo e Mônica: “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração”.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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