Crítica
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Crítica
Responsável pelo longa Rio Cigano (2015), Julia Zakia é conhecida no meio cinematográfico por sua longa experiência como diretora de fotografia de títulos como Periscópio (2013) e Como Fotografei os Yanomami (2018), entre outros. Ana Flavia Cavalcanti, por sua vez, é mais conhecida pelo trabalho como atriz, tendo participado de filmes como Corpo Elétrico (2017) ou produções para a televisão, como a série Sob Pressão (2019). As duas estão juntas no comando de Rã, curta premiado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e selecionado para o programa de curtas Generation Kplus, em exibição durante o 70o Festival de Berlim. E essa repercussão, tanto no Brasil quanto no exterior, não é por acaso. Afinal, as duas, com pouco em cena, conseguem lidar com questões sérias, porém em uma ambientação que não despreza a sensibilidade e o cuidado com os detalhes.
Para começar, no centro da ação está Val (a própria Ana Flavia Cavalcanti). E não se trata de uma mulher qualquer. Mãe de família, luta para criar duas filhas ainda pequenas, ao mesmo tempo em que se divide em um subemprego, que mal consegue manter as três num pequeno casebre de uma vila na periferia de uma grande cidade, e nas lidas domésticas, dedicando tempo considerável ao cuidado com as crianças e com a casa. O chão é batido, a poeira se acumula, o único ambiente é dividido por cortinas – de um lado a cozinha e sala, do outro o quarto onde as três se amontoam durante a noite. Mesmo diante de tantas dificuldades, são felizes – ou ao menos aparentam ser. A mulher, negra e sozinha – não há sinal de marido por perto – se esforça dia a noite para não deixar transparecer o alto preço que lhe é exigido diariamente. Enquanto isso, as meninas brincam na areia, em frente de onde moram, alheias ao sofrimento do mundo lá fora. O espaço que não conhecem é muito menor do que o universo que guardam ao alcance dos seus olhos.
No meio da noite, enquanto umas sonham e a outra se esforça para manter os olhos fechados, cansada demais depois de mais um dia que muito lhe cobrou, uma batida de palmas lhe desperta de vez. Há alguém na rua, chamando por ela. Quando abre a porta, se depara com um dos poucos das redondezas que ainda confia. É o vizinho do armazém da esquina, aquele que lhe vende fiado e cuida das garotas em caso de emergência. Porém, quem está desesperado, agora, é ele. Precisa que o ajude. E tudo o que precisa fazer é abrir as portas e permitir que entre, carregando consigo o fruto de um roubo feito no alto da madrugada. As possibilidades são muitas. O que ele esconde, que tanto o assusta? E por quê recorrer a ela, dentre tantas outras possibilidades? O encontro dos dois, é claro, não tem nada de ao acaso. A sorte não faz parte do cotidiano deles. Por isso, aprenderam a aproveitar cada jogada a favor que apareça em seus caminhos. E dessa vez não será diferente.
É quando Rã, finalmente, oferece sentido ao seu título. Na verdade, mais lógica há no batismo internacional – Frogs, ou seja, no plural. O que foi escondido não ficará longe das luzes por muito tempo. A carga é proibida, mas também é cobiçada. Com prazo de validade, não pode ser desperdiçada. E o que antes era condenável, agora ganha ares de festa na comunidade. Mãe, vizinha, amante, companheira, trabalhadora, empregada, cuidadora, sobrevivente, mulher. Val é tudo isso, assim como todas aquelas ao seu redor. As que estão se formando, as mais experientes, as que vivem na pele diariamente essa realidade. O motivo pode ser qualquer um, às claras ou às escondidas, mas não importa: no final, são essas pequenas atitudes que farão a diferença. Longe de uma moral imposta por terceiros, mas atenta à dura realidade de uma maioria.
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