Crítica


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Sinopse

O último dia da vida de Pier Paolo Pasolini, um dos maiores artistas da Itália. Uma sinfonia em dois movimentos.

Crítica

A sinopse descreve este novo trabalho do argentino Raúl Perrone como uma sinfonia em dois movimentos. Uma descrição pertinente e que revela de imediato a estreita relação do longa com a música e com a dança. Não que Ragazzi se apresente como um musical ou uma ópera, mas a intensa atração de Perrone pela sonoridade e pela movimentação dos corpos possui uma importância indelével, se colocando acima de outros elementos. Como também afirma a sinopse, o filme é dividido em dois atos distintos sem conexão direta aparente. O primeiro movimento traz uma representação bastante livre do assassinato do cineasta Pier Paolo Pasolini, narrada pelo ponto de vista do jovem garoto de programa responsável pelo crime. Os fatos nunca são objetivamente explicitados e o nome de Pasolini não é mencionado, mas sua presença permeia todo o longa. Desde a figura do homem de óculos escuros que se encontra com o garoto até, e principalmente, pelos poemas escritos pelo cineasta, que são utilizados como diálogos durante toda a projeção, exceção feita a um momento-chave, e se transformam em um elo entre os atos.

A segunda parte do filme acompanha o cotidiano de um grupo de jovens que se diverte em um rio sob uma ponte. Este olhar em torno da juventude é o segundo ponto de ligação entre as metades do trabalho de Perrone. Pois Ragazzi é, à sua maneira, um filme sobre os ritos de passagem e por isso se ancora nos signos que são a base dos contos de amadurecimento, como o rompimento com os laços maternos, as desilusões sentimentais (dos triângulos amorosos de ambos os atos) e a morte. Esta se apresenta com o assassinato de Pasolini e se repete no único momento em que os diálogos fogem dos textos do diretor italiano, ao trazerem um áudio jornalístico informando sobre o afogamento de um garoto. Assim como para o grupo de amigos que encontra um corpo em Conta Comigo (1986), de Rob Reiner, a noção da efemeridade da vida que aflora face à morte representa um evento transformador para os ragazzi de Perrone. O choque com a realidade só é superado pela fantasia da descoberta sexual, que se manifesta através da misteriosa figura feminina do segundo movimento. O encontro com o sexo também modifica os jovens, transportando-os para um novo estado de espírito, que é delineado pelo uso de uma versão de Stairway to Heaven, do Led Zeppelin, elevando o ar transcendental do acontecimento. O diretor trata da pureza de sentimentos e busca transmiti-la não só pelo conteúdo, mas também pela forma, e para isso trabalha com duas ferramentas.

Uma delas é a desconstrução da linguagem. Perrone apresenta os diálogos em reverso, com as palavras sendo ditas de trás para frente, criando uma espécie de novo dialeto - como o brasileiro Alê Abreu o fez na animação O Menino e o Mundo (2014) - e colocando legendas para traduzi-los. Com isso o cineasta persegue uma universalização de sua narrativa, sem delimitá-la pelo idioma. As barreiras geográficas e temporais também são rompidas, já que Perrone filma a morte de Pasolini na Argentina dos dias atuais, deixando estas informações aparentes, sem preocupação com a fidelidade histórica. A outra ferramenta é a estilização visual, que ambiciona um resgate dos primórdios do cinema. A fotografia em preto e branco e o formato mais fechado de janela, com bordas escurecidas e variação de iluminação, remetem à estética de movimentos como o Expressionismo Alemão e outras obras específicas – as cenas no rio têm grande influência de Jean Vigo e seu O Atalante (1934) - uma técnica já adotada por outros cineastas, como o português Miguel Gomes em sua homenagem a Murnau, Tabu (2013). O tom fantasioso do filme, porém, o aproxima mais dos experimentos (nem sempre bem-sucedidos) do canadense Guy Maddin. Outro artifício - que data dos tempos de Méliès - e talvez seja a grande qualidade do filme, é a utilização da justaposição de imagens, gerando planos de grande beleza e multiplicando seus significados.

Este mergulho sem concessões no experimentalismo está sempre sujeito a percalços, e por vezes Perrone é prejudicado por eles - como a falta de expressividade de parte do elenco amador - culminando em uma montanha russa de sentimentos, com um percurso que vai do fascinante ao enfadonho. No entanto, não deixa de ser interessante apreciar a inquietação de um cineasta de carreira prolífica desde os anos 90 e que tenta, de forma válida, se diferenciar da fórmula de sucesso encontrada pelo cinema argentino contemporâneo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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