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Crítica


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4 votos 7.6

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Sinopse

Duas adolescentes de temperamentos distintos são unidas pelos conflitos da idade e, principalmente, pelo amor pela natação. Porém, os contrastes entre as duas se intensificam quando elas se descobrem adversárias não só no esporte, mas também na vida pessoal.

Crítica

A introversão de Amanda (Brídia Moni) combina bem com o torvelinho de sensações enuviadas que atravessa a sua adolescência. O cineasta Emiliano Cunha aproveita o fato dela ser uma nadadora para fazer da comunhão com a água, especialmente nas belíssimas cenas submersas, instantes em que a garota parece liberta de todas as pressões, ou seja, num ambiente pleno de (suposta) calmaria. Raia 4 é desenhado como um filme de formação, no qual identificamos facilmente os processos de transição da infância à vida adulta. Frequentemente privada da presença dos pais médicos, a protagonista sente dificuldade para lidar com os passos da conquista, permanecendo travada num universo particular de olhares enigmáticos e indisposição para verbalizar seus sentimentos verdadeiros. O modo como a câmera se atém particularmente à perturbação acarretada pela presença da colega Priscila (Kethelen Guadagnini) dá a chave para a conjectura de um interesse, a priori, interditado pela heteronormatividade reinante por ali. E esse jogo enganoso é bem urdido.

Raia 4 possui uma elegância imagética virtuosa, vide os vislumbres de corpos “duplicados” n’água e a valorização do movimento nos treinos e nas competições. A piscina, assim, é o principal cenário dessas relações mediadas pela efervescência hormonal dos que elegem romances passageiros como assunto principal da rodinha de amigos. Emiliano deixa fosca a paisagem que tange ao relacionamento de Amanda com a mãe, Marta (Fernanda Chicolet), acolhida pela filha com ressalvas não investigadas. O pai, Rogério (Rafael Sieg), é encarado como uma figura acalentadora, o único com o qual a menina esboça sorrisos e certo desapego dessa casca prestes a ser rompida. Porém, uma pena que o núcleo familiar não ganhe elementos para além da inquietude sobressalente nas interações apresentadas. A reiteração serve para tornar quase inequívocos os senões colocados frontalmente, mas acaba entravando levemente a dinâmica como essencial ao todo.

Há, praticamente durante todo o filme, a sensação de que pouco está efetivamente acontecendo. O realizador lida muito bem com os tempos mortos, pontualmente os atravessando com algo que diz respeito à deflagração das peculiaridades de Amanda. Numa competição interestadual, ela é capaz de assumir indevidamente a culpa por uma traquinagem juvenil se isso, aparentemente, significar ganhar pontos com uma pessoa. Todavia, Raia 4 permite leituras variadas desses episódios simples, sobretudo porque fomenta os espaço de indeterminação a partir de informações de natureza evasiva. Há uma orquestração bem-sucedida de expectativas a serem quebradas habilmente adiante. Se a esfera familiar deixa um pouco a desejar, os elos estabelecidos com os amigos cumprem um papel bem mais efetivo, ainda que não se prestem a sentenças exclusivas. Certos comportamentos, tais como a queda pelo “peguete” de Priscila, adquire contornos nebulosos. Estes, assomados, vão criando terrenos favoráveis ao acontecimento de algo que não está previsto no horizonte.

O final de Raia 4 é absolutamente surpreendente, sobretudo porque a premeditação é muito bem encoberta. Esse ponto final abrupto, inesperado, permite o surgimento de leituras diversas, num movimento propício para o conjunto permanecer por um tempo reverberando no espectador. Afinal de contas, ali, na piscina em que boa parte do enredo se desenvolve, inclusive de maneira poética, um gesto de consequências catastróficas aponta às perturbações habitantes no mais profundo de alguém. Cenas como a tensão oriunda da primeira menstruação, que desce numa ocasião inoportuna do ponto de vista prático, fazem desse filme um bom exemplo de sensibilidade à disposição de um enredo não comprometido com perguntas simplórias e subsequentes respostas fáceis. Ainda que permaneça num terreno às vezes demasiadamente turvo em parte de sua duração, tem força dramática suficiente para adensar a jornada pretensamente comum da protagonista e colocar tudo sob uma nova perspectiva ao, corajosamente, terminar com uma nota tão violenta quanto insólita.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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