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Sinopse

No Japão, em pleno século XI, um lenhador, um sacerdote e um camponês se refugiam de uma tormenta num local chamado Portão de Rashomon. O sacerdote lhes conta a história que contempla múltiplas versões e pontos de vista envolvendo um homem assassinado, uma mulher violentada e um ronin acusado duplamente de ser o culpado.

Crítica

Um pequeno detalhe, mas que fez toda a diferença. Assim pode ser descrito Rashomon, um dos filmes fundamentais de toda a filmografia de Akira Kurosawa. Afinal, o que ele fez em cena é algo até mesmo básico, mas isso para os dias de hoje. Em 1950, quando foi realizado, sua exibição foi tão revolucionária que paradigmas foram rompidos, novos conceitos tiveram que ser elaborados e outros parâmetros se viram válidos. Este é, acima de qualquer observação, um marco para a história do cinema. E por qual razão? Pelo uso do flashback não confiável, por assim dizer. Basicamente, enquanto na literatura tudo que é dito vira imaginação para o leitor, até então, no cinema, aquilo que ganhava a tela era, por princípio, verdade. E foi esse pressuposto que, pela primeira vez, se viu colocado em xeque.

Rashomon é o portal de entrada da cidade. Lá, sob forte chuva, dois homens estão em estado de choque. “Eu não entendo”, repetem para si mesmos. Mas o que teriam visto – ou vivenciado – de tão chocante, a ponto de se verem nesse estado? A chegada de um andarilho é o ponto de partida para que compartilhem o ocorrido. Porém, não será apenas uma versão. Há três – ou quatro, para ser mais preciso – relatos diferentes sobre o mesmo fato. Quem está sendo sincero? E os demais, por quê mentem? O que tem a ganhar, e o que está em jogo, passível de ser perdido? A dúvida é constante e se mantém em alta durante os quase 90 minutos de duração da trama. Veja bem, trata-se de um longa relativamente curto, ainda mais se levarmos em conta a própria obra de Kurosawa. Porém, está longe de ser pequeno. É justamente nessa concisão em que se encontra um dos seus maiores méritos.

Enquanto o padre se esforça para encontrar alguma lógica em tudo que acabara de presenciar, o lenhador começa a contar o que viu e ouviu. Ao se aventurar por um bosque, em busca de lenha para exercer seu trabalho, primeiro se depara com um belo chapéu feminino sobre um arbusto. Estranhando o achado, segue atento, atrás de pistas que explique como tal objeto fora ali parar. Qual não será sua surpresa quando encontrar um homem morto em meio às folhagens. Aos gritos, sai às pressas e acaba atraindo a atenção das autoridades. Em frente a alguém de maior poder – um juiz? Um delegado? Tal presença, apenas percebida, é mais do que suficiente – as explicações começam. Primeiro, se ouve o que tem a dizer o bandido Tajômaru (Toshiro Mifune, uma verdadeira força da natureza, impressionante tanto na composição animal quanto nos momentos de fraquezas que aos poucos vai permitindo serem vislumbrados). Depois, a mulher virginal – a responsável pelo adereço perdido. Cada um tem uma visão distinta – e controversa. No entanto, se pensavam que não poderia piorar, eis que surge uma médium que, do além, revela o testemunho do próprio falecido, em que os eventos descritos são ainda diferentes.

Mas não é que o próprio lenhador tem sua leitura particular dos fatos? O samurai caminhava pela floresta, carregando um cavalo que trazia consigo a esposa. Quando passam por Tajômaru, esse os envolve em uma conversa, afastando o marido da mulher e, na ausência desse, decide tomá-la para si. Porém, envolvido pela beleza dela, decide que não irá levá-la à força, preferindo que esta seja uma opção dela. De acordo com o fora-da-lei, ele e o marido se enfrentam num duelo, que termina com a morte do outro. Já ela conta que, tendo sido possuída por dois homens, sua honra só poderia ser recuperada com a morte de um deles, e como aquele a quem ela pertencia por primeiro nada fez para defendê-la, de posse do seu punhal acabaria tomando uma atitude impensada. Por quê ambos assumem a autoria do assassinato? E que desculpas são essas, que em nada amenizam suas culpas?

Ou seja, a todo instante o espectador é colocado diante de uma explicação. Porém, nenhuma delas realmente é elucidativa a ponto de esclarecer a tragédia. O que se sabe, apenas, é que houve um assassinato. “Os homens não conseguem ser sinceros nem consigo mesmos, que dirá com os outros”, o andarilho comenta. E se esta parece ser a grande verdade aqui escondida, Akira Kurosawa parte de um episódio simples, mas complexo o suficiente para servir como exemplo do grande mistério que é o ser humano. “Eu não entendo”, seguem repetindo para si mesmos. E nem terão como. Afinal, este é um filme que provoca questionamentos, sem nunca entregar respostas fáceis. Essas estão a cargo da audiência. Assim, cada um chega a sua própria conclusão. Certa ou errada, depende mais de si do que daquilo visto na tela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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