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Sinopse

Kumandra é um mundo de fantasia onde humanos e dragões vivem em harmonia. Mas, os animais se sacrificaram para salvar o lugar diante de uma força maligna. Depois de 500 anos, o mesmo mal retornou e cabe à Raya, uma guerreira solitária, rastrear o último dragão para tentar ao lado dele reestabelecer a ordem natural das coisas.

Crítica

Para começo de conversa, é ótimo observar uma protagonista guerreira que não tem de vencer barreiras machistas de sua civilização para ocupar um lugar supostamente privilegiado aos homens. Obviamente, histórias de superação de obstáculos sociais/tradicionais também são importantes do ponto de vista afirmativo, mas igualmente o são essas tramas em que conquistas aparecem naturalizadas, já inquestionáveis dentro de certa configuração social. É algo do tipo: por que Raya precisaria lutar pela proeminência, sobretudo por ser óbvio que ela tem capacidades para ocupar esse lugar?. Dito isso, Raya e o Último Dragão se utiliza de uma série de estratégias narrativas bastante conhecidas, o que diminui seu impacto em várias instâncias. Isso acontece porque a trama se torna bem próxima do previsível, com etapas facilmente antecipáveis. A primeira dessas convenções é a protagonista que precisa amadurecer numa jornada ao mesmo tempo grupal e importante pessoalmente. Fica evidente que as coisas vão entrar nos eixos nesse mundo órfão de dragões e em constante guerra apenas quando a jovem deixar de lado concepções e aprender a ser parte da coletividade.


A segunda delas é o espelhamento com a antagonista. Da forma como é construída, a relação entre Raya e Namaari – princesas afeitas a combates e conhecidas pela coragem –, fica óbvio que as duas funcionam como lados distintos de uma mesma moeda. Portanto, a reconciliação improvável também é ofertada antecipadamente ao espectador como condição para a batalha contra as criaturas malignas ser vencida. Depois do prólogo que apresenta o contexto desse mundo existente em virtude de um equilíbrio frágil entre territórios que anteriormente formavam uma nação próspera e integralmente feliz, a menina perde o pai após um golpe vizinho e passa a ser entendida, basicamente, como loba solitária. Aos poucos, vai se abrindo à participação de colegas improváveis de missão, incluindo a dragão Sisu, ser mitológico considerado extinto, mas que aparece como uma peça fundamental dos planos de salvamento. Diferentemente do que se poderia imaginar, essa entidade não é solene, sábia ou qualquer outra coisa propagada pelas histórias contadas ao longo dos séculos. Pena os realizadores não brincarem mais com essa distorção da fábula passada de geração em geração.

Outro lugar-comum ao qual os idealizadores de Raya e o Último Dragão aderem é a necessidade de juntar peças de uma relíquia para garantir o futuro. Esse tipo de esqueleto tem vantagens, vide a pontuação da trajetória ampla com pequenas vitórias e derrotas. Da animação japonesa Dragon Ball, com a dispersão das esferas do dragão, chegando a Marvel e DC – Vingadores correndo atrás das Joias do Infinito e membros da Liga da Justiça tentando evitar a reunião nefasta das Caixas Maternas –, esse tipo de percurso é recorrentemente utilizado. Aqui, funciona de duas formas: para motivar a peregrinação dos personagens por regiões diferentes do reino anteriormente conhecido como Kumandra e a fim de fornecer um elemento literal à sustentação da metáfora da união. Uma das formas imaginadas para resgatar pessoas transformadas em pedra e restabelecer o equilíbrio é juntar os fragmentos da Joia do Dragão, o que demanda toda a deambulação pelo reino. Porém, mesmo nessa mitologia há determinados buracos, como a ressurreição dos dragões quando finalmente a gema é restabelecida. Antes, quando ela estava íntegra, os animais permaneciam adormecidos.

De bastante positivo em Raya e o Último Dragão, a concepção visual desse mundo alusivo ao Oriente e ao Oriente Médio, assim distanciando as referências visuais de uma lógica dominante eurocêntrica. Atendendo a uma tradição disseminada pela Disney ao longo dos anos, a animação é calcada essencialmente numa mensagem nobre: a importância da união, o gregarismo como única maneira de combater os males capazes de separar e dizimar. Em tempos de pandemia, com a Covid-19 escancarando abismos e egoísmos mortais, não deixa de ser um alento distrair-se durante quase duas horas com uma trama justamente demarcada pela construção lúdica do ideal de coalisão encarregado de diminuir rivalidades em prol de uma noção ampla de sociedade. Pena que a associação às estruturas narrativas mencionadas e aos clichês seja tão fundamental. Com um pouco mais de singularidade (o que esse universo visualmente lindo conclama), talvez o longa-metragem ganhasse tônus dramático para além do impacto imediato de cenas emocionalmente catárticas. O saldo é uma aventura ora empolgante, ora estandardizada, que alterna bons momentos e instantes triviais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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