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Sinopse

Em maio de 1993, Fernando Henrique Cardoso formou a equipe com os mais renomados economistas brasileiros para enfrentar o maior desafio da sua gestão enquanto presidente da república: vencer a inflação. Gustavo Franco, o mais jovem da equipe econômica, conhecido por seu estilo arrojado e destemido, descobriu um forma de resolver os problemas vividos pelo governo Itamar Franco.

Crítica

O espectador brasileiro médio sofre, entre tantas outras coisas, de uma maldita “síndrome de vira-lata”. Afinal, como explicar o sucesso de gêneros como o terror ou a cinebiografia quando vindos de Hollywood ou de qualquer outro canto do mundo e o total desprezo reservado a qualquer produção similar feita em solo pátrio? É fato que por muitos anos os realizadores nacionais maltrataram esta mesma audiência com longas tecnicamente deficientes ou que visavam mais o lado comercial, em detrimento de aspirações artisticamente elevadas. No entanto, há um bom tempo este cenário já mudou. E se a recriação de fatos históricos relevantes costuma fazer a festa de público e crítica ao redor do mundo, para que no Brasil este mesmo cenário seja verdade é preciso, no mínimo, maior discernimento dos realizadores e um olhar apurado de quem investe neste tipo de projeto. Só assim, portanto, será possível evitar que constrangimentos como este Real: O Plano por trás da História se tornem realidade.

Mais do que ruim, este filme sobre a elaboração do Plano Real e o quanto esta medida teria sido importante para a nação é pernicioso, disseminando uma imagem fantasiosa e infundada de um processo que não pode – nem deve – ter apenas um lado debatido. Pra começar, carece de personagens relevantes que possam envolver a plateia. Um roteiro preocupado apenas com o sucesso ou não de uma estratégia econômica que livrasse o país de uma inflação galopante é tão deficitário quanto um que focasse somente na engenharia que possibilitou o naufrágio do Titanic. Ou seja, claro que o fato do maior navio do mundo afundar no meio do oceano chama atenção, mas não mais do que o drama vivido por aqueles que estavam na embarcação – as pessoas se comoveram com Jack e Rose, e não com o fracasso do gigante. Pois é exatamente o que acontece na obra do diretor Rodrigo Bittencourt: esquece-se os envolvidos – o povo – e foca-se em apenas um lado da questão, ignorando-se todos os demais.

Senão, veja o cartaz: uma foto do protagonista, Emilio Orciollo Netto, rabiscando em um quadro negro. Essa mesma imagem poderia estampar o pôster de O Contador (2016), mas teria ela sido suficiente para que o thriller estrelado por Ben Affleck faturasse mais de US$ 155 milhões em todo o mundo (apenas para constar, optou-se por uma cena com o protagonista empunhando uma metralhadora). Claro que não imaginamos um economista como matador de aluguel correndo por Brasília, mas é este mesmo público que Bittencourt está atrás. Ou, ao menos, deveria. Pois se quer fazer do seu trabalho tanto um discurso relevante quanto uma peça de entretenimento, deve ser capaz de aliar diversão com conteúdo, duas coisas que faltam em abundância neste produto em questão.

É de se perguntar, portanto, quem imaginou que Gustavo Franco (Orciollo Netto) seria um bom protagonista? Antipático, ranzinza e quase autista, ele pode ter sido o “gênio incompreendido” que gerou o Plano Real, mas como simpatizar e torcer por ele quando tudo o que o personagem faz é brigar com os que estão ao seu lado, desprezar qualquer tipo de atenção e tratar os demais como se fossem ignorantes ou inferiores, não ouvindo ninguém e fazendo uso de qualquer recurso – ético ou não – para que seus objetivos sejam cumpridos? O tom monocórdico da atuação de Netto também não colabora, prejudicando ainda mais uma composição que já era arriscada. Ter ao seu lado uma Paolla Oliveira desperdiçada (é de causar revolta as atitudes dela como a namorada dele), um Norival Rizzo incapaz de criar qualquer tipo de maleabilidade para o seu Fernando Henrique Cardoso (o seu presidente tem ares quase maquiavélicos) e um Bemvindo Sequeira prestes a cair no riso como um Itamar Franco bufão eliminam o resto de respeitabilidade que o conjunto poderia almejar.

Mas nada é pior do que a mão pesada de Bittencourt, cineasta cujo única experiência anterior foi o insuportável besteirol Totalmente Inocentes (2012). Ele ignora toda e qualquer tipo de consulta na construção do momento social, político e econômico em que o país se encontrava. Tenta ser didático no processo, mas tudo que consegue é redundância. Real: O Plano por trás da História (a irritação já começa no trocadilho do subtítulo) é uma falácia mal-intencionada, que reduz cada uma das figuras públicas envolvidas ao estereótipo e tenta transformar em herói um homem que nem os seus colegas suportavam. Tenta vender uma meia-verdade que ignora as repercussões envolvidas e reduz ao mero discurso de propaganda uma diretriz que teve consequências muito mais profundas e abrangentes. A situação era caótica e exigia atitudes enérgicas. Mas o que se vê aqui é apenas um garoto mimado que ignora o preço de suas vontades – tanto na ficção como também por trás das câmeras.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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