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Sinopse

Recém-casada, uma jovem se muda para a mansão do seu marido. Lá, ela será assombrada pela memória da falecida esposa dele que, de certa forma, continua influenciando o lugar.

Crítica

Já dizia o sábio: “muito mais fácil transformar algo ruim em bom do que o que já é bom em ótimo”. Um exemplo de quem seguiu isso à risca foi Stanley Kubrick, que pegou um livro mediano de Stephen King e o adaptou no clássico O Iluminado (1980). Ben Wheatley, responsável pelo estiloso No Topo do Poder (2015) e pela bobagem Free Fire: O Tiroteio (2016), no entanto, não é nenhum Kubrick, quanto mais um Alfred Hitchcock. Portanto, de antemão se sabe que boa coisa não poderia mesmo surgir da sua versão de Rebecca: A Mulher Inesquecível. Por mais que cinéfilos de todo o mundo terminem por ver este filme como um remake de Rebecca: A Mulher Inesquecível (1940) – nada menos do que o único longa assinado por Hitch a ganhar o Oscar de Melhor Filme – o diretor tem declarado, desde o início da produção, que esta seria uma visão equivocada: afinal, sua fonte de inspiração teria sido o livro original, escrito por Daphne Du Maurier – mesma autora de títulos celebrados como Os Pássaros (1963) e Inverno de Sangue em Veneza (1973) – e não no longa estrelado por Laurence Olivier e Joan Fontaine. Essa até teria sido uma iniciativa interessante, caso o resultado visto em cena fosse, de fato, uma adaptação, e não apenas uma releitura subserviente e nada criativa.

Refazer obras que se tornaram famosas pelas mãos do Mestre do Suspense nunca foi uma boa ideia. Basta lembrar do equivocado Psicose (1998) de Gus van Sant, um dos pontos mais baixos da carreira do cineasta, ou do esquecível Janela Indiscreta (1998), que só ganhou alguma notoriedade por contar com Christopher Reeve após o acidente que o deixou paralítico, situação semelhante (mas não igual) a do personagem principal. Pois bem, essas lições parecem não terem sido suficientes para que Wheatley deixasse de lado a ideia de refazer algo que em várias passagens chega próximo à perfeição. Por mais que o Rebecca anterior possa não ter envelhecido tão bem quanto outros sucessos de Hitchcock, tem a assinatura do seu realizador do início ao fim, e este é um elemento que não pode ser desprezado. Aliás, essa identidade, tão presente e envolvente, é justamente do que carece o longa mais recente.

Rebecca é uma mulher que, por não mais existir, se torna insuperável. Isso, ao menos, é o que sente a nova sra. De Winter (Lily James, investindo numa versão empoderada da personagem que nada tem a ver com a anterior), uma dama de companhia que é pedida em casamento por um milionário poucos dias após os dois terem se conhecido. O que antes poderia ter sido visto com ressalva e desconfiança, aqui surge como mais uma tola versão do “amor à primeira vista”. Ao chegarem em Manderlay, a mansão da família dele, o pesadelo da noiva se torna maior graças à interferência da governanta, a sra. Danvers (Kristin Scott Thomas, esbaldando-se no exagero), que se mantém devota à falecida patroa. Enquanto isso, o sr. De Winter (Armie Hammer, apático) desfila de um lado para outro com seu charme habitual, como não estivesse percebendo nada de diferente. Porém, as comparações entre a esposa atual e a antiga são apenas a ponta de um iceberg que envolve ainda surpresas e novos detalhes a respeito de um amante, uma possível gravidez e como Rebecca teria, de fato, morrido: um acidente, como todos parecem acreditar, ou haveria um crime a ser investigado?

Os dois filmes, o de Hitchcock e o de Wheatley, são bastante distintos. Tudo que é sutil e curioso no primeiro, é evidente e escancarado no segundo. Não há espaços para dúvidas ou segundas leituras agora, num evidente esforço para eliminar qualquer zona mais cinza da trama. O bom humor, tão presente no primeiro ato da história, por exemplo, que envolve De Winter, sua nova paixão e a atual patroa dessa, praticamente desaparece no versão atual, resumindo-se a uma demonstração de inveja e falta de consideração da velha senhora. Esse detalhe serve também como indício à postura assumida nessa segunda transposição: enquanto que o protagonista masculino é praticamente deixado de lado, opta-se por centrar os embates entre as duas mulheres de maior destaque – James e Scott Thomas – numa demonstração clara de misoginia e manipulação. Afinal, os problemas foram criados por ele, que se recusa a lidar com as consequências, permitindo que as duas partam para uma batalha sem sentido nem mérito.

Alfred Hitchcock propôs diversas mudanças na narrativa original. Porém, isso faz parte do processo fílmico – e pelo que ficou mais do que comprovado, todas as inovações por ele pensadas aperfeiçoaram o trabalho. Ben Wheatley, por sua vez, opta por ignorar essas modificações, se ocupando basicamente de uma transposição do livro para a tela, quase como se receoso do material que tinha em mãos. Assim, o que agora encontramos é esse Rebecca: A Mulher Inesquecível, um filme raso, plano, sem nenhuma profundidade, em que qualquer interpretação é evidente, sem margem para segundas conjecturas ou suposições. Deixa-se o mistério de lado e surge até mesmo, lá pelas tantas, um drama de tribunal (!), eliminando tensões e abusando de obviedades e caricaturas. Se da Lily James e do Armie Hammer não se poderia esperar nada muito diferente, por outro lado é uma pena ver alguém como Kristin Scott Thomas envolvida com algo tão fraco em suas intenções e descartável enquanto resultado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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