Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo
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Rebel Moon - Part One: A Child of Fire
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2023
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EUA / Hungria / Suécia / Dinamarca / Reino Unido
Crítica
Leitores
Sinopse
Ameaçada por uma força tirana, uma colônia humana localizada numa galáxia distante da Terra enxerga a misteriosa Kora como a sua maior (e talvez única) esperança. Em busca de um pequeno exército que possa ajudá-la, ela recruta insurgentes, camponeses e órfãos de guerra.
Crítica
Parece Star Wars e começou como uma ideia para ser Star Wars. Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo vem de um projeto antigo do cineasta Zack Snyder, imaginado a partir da paixão pela icônica saga sci-fi elaborada por George Lucas. Logo fica evidente que tudo na superprodução bancada pela Netflix (a nova casa de Snyder depois que ele deu uma pausa na sua relação com o mundo dos super-heróis) é derivado dessa franquia bilionária marcada pela luta de bravos rebeldes, com a ajuda dos lendários jedis, contra um império despótico. A primeira pergunta que precisa ser feita nessa análise crítica é: quais os limites entre a homenagem e a cópia? O que faz, por exemplo, o episódio da série The Mandalorian (2019-) inspirado no clássico japonês Os Sete Samurais (1954) ser tão interessante como gesto de reverência a uma obra-prima e o filme de Snyder soar apenas como uma apropriação superficial de certos pressupostos numa reciclagem sem personalidade ou sinais de adoração? A trama desse museu de grandes novidades é protagonizada por Kora (Sofia Boutella), acolhida por uma vila de agricultores depois de desertar das fileiras do exército do Mundo-Mãe – como é chamado o império galáctico nesse universo enorme. Depois de um ataque impiedoso dos militares que esteticamente remetem ao nazismo, ela parte pelo cosmos em busca de guerreiros que possam defender o lugar em troca de grãos.
A premissa é exatamente a mesma do citado Os Sete Samurais, no qual uma vila agrícola sem vocação bélica precisa juntar samurais marginalizados para lutar contra uma gangue extorsiva. Por sua vez, esse enunciado foi levado ao Velho Oeste no faroeste Sete Homens e um Destino (1960), além de ter servido como base para diversas citações desde o seu lançamento. Até aí tudo bem. Zack Snyder poderia construir uma boa ponte entre o passado feudal do Japão e a especulação futurista com Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo, mas acaba desperdiçando esse potencial em uma aventura apressada, cheia de personagens sem algo marcante e ainda com pouco senso de homenagem orientando suas escolhas estético-narrativas. Ainda na comparação com o episódio da série The Mandalorian que também toma como princípio a obra-prima japonesa, falta a Snyder o que sobra à equipe chefiada por Jon Favreau no seriado: a pontuação sensível de que há uma tradição anterior a essa (re)leitura, sensação perceptível na maneira como Favreau faz questão de estabelecer pontos de contato afetivos com a realização de Akira Kurosawa. Já na primeira parte do díptico cuja conclusão se dará em 2024, o recrutamento de outsiders é feito de maneira absolutamente burocrática, as andanças de Kora e companhia são apenas um modo prático de juntar pessoas que podem ter contas a acertar com o Mundo-Mãe.
Em busca de uma imagem para simbolizar a relação entre Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo e a saga Star Wars podemos pensar naqueles bonecos de personagens famosos que são falsificados e podem ser adquiridos em qualquer grande cidade do mundo: lembram vagamente o original, mas são tão mal-acabados que nem como experiência alusiva se sustentam. Cruzando o limiar da homenagem à criação de George Lucas, Zack Snyder faz de sua nova empreitada cinematográfica uma reciclagem sem muita individualidade quanto aos tipos e às situações. Kora é uma soma entre Luke Skywalker e Rey, a guerreira que lidera de modo improvável a insurreição. O próprio contexto social é exatamente o mesmo da saga Star Wars, com um império dominado por alguém claramente maléfico (grupo que age de modo tirânico) sendo combatido por uma aliança rebelde diversa. O poderio bélico do Mundo-Mãe é garantido pela atuação de soldados obviamente decalcados dos stormtroopers (sem a mesma pompa). Michiel Huisman interpreta um arremedo de Han Solo (mas, a sua dubiedade moral é mandada às favas lá pelas tantas, o que torna o coadjuvante ainda mais comum). E Ed Skrein ocupa o cargo de Darth Vader nessa cópia, algo que fica ainda mais escancarado com o desfecho do personagem em meio a batalhas sem intensidade e cujo desenvolvimento parece viagem a bordo de nave em piloto automático.
Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo não existe a partir das homenagens, não manifesta o ímpeto reverencial das realizações que reconhecem as suas inspirações e as festejam. Aqui parece que Zack Snyder está tentando pretensiosamente fundar uma franquia espacial operística com a sua assinatura, mas sem investir recursos na construção (e manutenção) de uma mitologia própria que dialogue com os seus célebres modelos. A relação entre Mundo-Mãe e rebeldes poderia conter ecos instigantes da equivalente da saga Star Wars, mas acaba sendo apenas uma reprodução descarada de tantas dinâmicas que funcionaram por décadas. De modo semelhante, Snyder não trabalha em prol da elaboração da ideia de que Kora é uma líder trágica à frente do revide dos oprimidos contra um grupo bélico e economicamente mais afortunado. Tudo soa apressado e sem veemência nessa primeira parte da trama que utiliza o apreço pela saga Star Wars e por Os Sete Samurais como uma espécie de escudo. Sim, pois o cineasta norte-americano pode muito bem se esconder atrás dessas duas paixões identificáveis para defender a costura displicente de um amontoado de retalhos. No entanto, teria de equilibrar veneração e criatividade para evitar o que temos aqui: mais um filme de investimento financeiro enorme que nem ao menos consegue reverenciar os seus moldes/paradigmas emprestados. Zack Snyder não deseja pagar tributo com uma saudação. Nesse ruído estão os limites entre homenagem e cópia.
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