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Crítica


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Sinopse

Quando descobre que sua namorada está grávida, Zói não se sente pronto para ter uma criança. Ao mesmo tempo, relembra a infância dolorosa de ter crescido sem um pai.

Crítica

Na primeira cena deste curta-metragem, um grupo de jovens se diverte numa festa. O amigo de Zói (Pedro Riccardo) avisa: “Você vai ser pai, olha a barriga dela”, apontando à namorada do outro. Ora, como ele teria adivinhado diante do corpo esbelto de Jéssica (Jéssica Moura)? Confirmada a gravidez, o herói passa a enxergar o tema da paternidade por todos os lados. No metrô, um casal apaixonado tira selfies ressaltando a barriga da gestante. Na fila de espera de um concurso, as pessoas comentam a dificuldade de criar uma criança sem pai. Ele relembra sua infância, quando era constrangido por uma professora sem a mínima didática, devido à ausência da figura masculina nos desenhos familiares. Rebento (2019) é um curta-metragem obcecado pelas questões do abandono e das famílias monoparentais. Apesar das variações em personagens coadjuvantes e cenários, as cenas possuem objetivo equivalente: valorizar o papel das mulheres guerreiras que criam os filhos sozinhos e denunciar os traumas de crianças criadas apenas pela mãe. O discurso se torna evidente desde a cena inicial, no entanto, o diretor Vinícius Eliziário decide elaborá-lo em sequências distintas, reforçando a dor do jovem prestes a ser pai, embora nunca tenha resolvido o trauma paterno. Em termos de ponto de vista, a identificação ocorre com Zói, ao invés de Jéssica.

Em consequência, o drama envereda por caminhos eticamente contestáveis. Primeiro, trata a responsabilidade do protagonista como um caso de decisão pessoal: ele passa a integralidade do filme hesitando se deveria assumir a criança, como se ficar ou partir fossem alternativas igualmente aceitáveis. Para a garota, em oposição, um aborto jamais é cogitado - a partir do momento que engravida, sabe-se que terá o bebê. Segundo, o olhar demonstra compaixão somente com o garoto, ao invés de sua namorada. Teria sido interessante pelo menos equilibrar as subjetividades e dúvidas, porém o roteiro ignora os sentimentos de Jéssica. O teor fatalista da gravidez insiste que a sina dela está traçada, enquanto a dele ainda pode ser negociada - ele tem a possibilidade de escapar, embora espera-se que fique. Em outras palavras, há mais empatia pelo homem do que pela mulher nesta situação, sendo ela quem carrega o bebê consigo. Terceiro, e decorrente dos anteriores, Zói se converte na verdadeira “vítima" do filme: é ele quem chora, quem fica desnorteado, por quem os amigos e a mãe temem. Mesmo diante do comportamento machista, comum a rapazes em situação semelhante (“Mas você não disse que estava tomando a pílula?”), a narrativa evita problematizar as decisões deste personagem visto com carinho e condescendência. Embora faltem pais no filme, a direção compensa este sentimento com uma dose generosa de paternalismo.

Além da questão do posicionamento, Rebento sofre com deficiências técnicas. Confrontados à limitação de recursos, alguns diretores apostam em formas ousadas de manipular a linguagem - vide as filmagens em externas, com pouquíssimos personagens e locações em Sete Anos em Maio (2019), de Affonso Uchôa, ou as sugestões de som e luz fora de quadro em Inabitável (2020), de Matheus Farias e Enock Carvalho. Ora, o filme baiano se choca a obstáculos que não consegue contornar, prejudicando o resultado. A captação de som direto se mostra bastante frágil na festa inicial e na cozinha, o que prejudica a compreensão dos diálogos. Trabalhando com luzes naturais, o digital de baixa qualidade se mostra inadequado para captar texturas e volumes nas cenas noturnas, quando se concentra parte considerável da trama. Mesmo em cenas de fácil controle e pouca movimentação, a câmera treme em excesso, a exemplo da casa de Zói e dos colegas sobre a laje. O melhor aspecto do curta-metragem se encontra na montagem, capaz de estabelecer um ritmo contemplativo, valorizando os silêncios ao invés das ações. Esta função é assumida pelo cineasta, que também se encarrega do roteiro e da direção de fotografia. As cenas nunca aceleram o tom rumo ao desenlace, nem se arrastam - existe notável preocupação em intercalar o dilema pessoal com aspectos da vida profissional, com os amigos e a mãe, de maneira orgânica.

O elenco aparenta ser composto por atores inexperientes, habituados com as gírias e provocações amigáveis, porém menos desenvoltos em cenas de intensa roteirização. O anúncio da gravidez, em especial, comprova a dificuldade tanto da direção de atores quanto dos jovens intérpretes em apresentar a variação emocional necessária. Na falta de uma emoção decorrente das atuações, o filme reforça o discurso pela trilha sonora melodiosa e redundante, mencionando diretamente a paternidade. "Rebento, tudo que nasce é rebento / Tudo que brota, tudo que vinga, tudo que medra", canta Elis Regina em Rebento. "Uma negra e uma criança nos braços / Solitária na floresta de concreto e aço”, canta Mano Brown em Negro Drama. O curta-metragem mira na delicadeza, entretanto possui a mão pesada para o roteiro e a direção. Ao final, oferece menos uma reflexão do que uma lição de vida sobre a importância de manter a família unida em torno do bebê a caminho. O cineasta possui ternura pela história que parece próxima de si próprio, no entanto, talvez lhe falte o distanciamento para enxergar outras dores para além daquela de Zói.

Filme visto online no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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