Sinopse
Três casais viajam para o campo com os filhos para um longo fim de semana de descanso. Porém, em meio a muito álcool e celebração, antigos conflitos ressurgem e grandes segredos são revelados, virando a vida das famílias de ponta a cabeça.
Crítica
Leo e Andrea prepararam a casa de veraneio para receber os amigos. Chegaram um dia antes no campo, o filho adolescente ainda dorme, o caseiro e sua família são chamados para deixar tudo em ordem. Mariano e Lupe são os primeiros a chegar, e, com eles, o bebê recém-nascido do casal. Nacho e Sol surgem logo em seguida, acompanhados dos trigêmeos. A melancia vai para piscina (“lá ela irá permanecer refrescada por mais tempo”), o churrasco sofre alterações de última hora (“como você não lembrou que agora sou vegetariano?”) e os pequenos se espalham para brincar em meio a tanto espaço livre, com verde por todos os lados. Estão, cada um ao seu modo, em busca de uma folga, de alguns dias de descanso, entregues a uma vontade de estarem entre amigos, livres de julgamentos, cobranças e mentiras. Tudo, aliás, que não encontram em Recreio, longa que vislumbra muitas possibilidades, mas restringe-se a frequentar ambientes conhecidos e seguros, entregando um resultado morno, esquivando-se de assumir qualquer tipo de risco.
Na primeira noite juntos, os três casais estão sentados em volta da mesa, após o jantar, e começam a discutir sobre sexo e violência. Um, com propriedade, afirma que a sociedade atual está doente, pois aceita com mais naturalidade um ato de agressão do que uma demonstração de carinho. “A guerra, a morte, a insegurança está por todos os lados, nos jornais, nas televisões, nas ruas, ninguém mais se comove com isso, enquanto que basta vislumbrarem dois corpos se relacionando sexualmente – e nem precisam ser dois homens ou duas mulheres – para que o escândalo se manifeste”, declara, para a observância dos demais. O jogo de sedução também está entre eles. Nacho demonstra um interesse um pouco além do comum em Lupe, que, fragilizada pelo modo grosseiro como é tratada pelo marido, aceita o afeto, independente de onde esteja vindo. Por sua vez, os anfitriões revelam o quanto a vida sexual de ambos melhorou a partir do momento que decidiram, eventualmente, incluir convidados na cama deles – sempre um homem, percebem os demais rapidamente. Misoginia e homofobia, ambos presentes.
Mas a lista de preconceitos pelos quais a trama de Recreio percorre sem sequer se deparar diante dos mesmos para uma análise mais detalhada segue crescendo. Adiante iremos observar a relação do filho do patrão com as meninas do empregado, longe de aparentarem iguais, mas num claro exercício de poder prematuro. O desprezo pelos animais se manifesta de forma preocupante, para acabar em um discurso clichê (“matamos bichos o tempo todo, do seu casaco ao que comemos no almoço”). A mãe prefere ficar chapada a ter que enfrentar o descaso marital, mesmo que o primeiro a sofrer por isso seja o filho ainda de colo. A mulher se submete ao desejo do marido, ignorando suas próprias vontades. E se um demonstra ciúmes por sua companheira, é mais por um sentimento de posse do que por um amor ferido. Mesmo quando é chegado o momento do desabafo, este se revela tão vazio quanto um balão no ar, que voa apenas enquanto as coisas estão quentes, e que assim que tudo esfria volta a se contentar com sua pequenez anterior.
Assim como Hernán Guerschuny havia brincado com as comédias românticas em O Crítico (2013), dessa vez ele parece mais interessado na proposta de um filme coral, com diversos enredos se cruzando a todo instante, como se uns fossem meros reflexos dos outros, todos servindo como peças de um quebra-cabeça mais amplo. De acordo com essa ambição, trouxe Jazmín Stuart, que em cena surge como a frágil Lupe, para estar ao seu lado também atrás das câmeras. Surpreende, no entanto, que ela não tenha tido forças para defender sua personagem, talvez a mais desprovida de cores do elenco. Fernán Miras (Juan e Evita: Uma História de Amor, 2011), o submisso que se sujeita às vontades da esposa, reflete em sua postura a mesma fraqueza do âmbito ficcional, sendo atropelado pelos demais intérpretes masculinos: Juan Minujín (2 mais 2, 2012), que faz de Mariano um dândi perfeito, mais preocupado com as aparências do que com as consequências dos seus atos, e Martin Slipak (Como Ganhar Inimigos, 2014), quase uma manifestação da natureza, exercendo um poder de sedução que não encontra igual nos seus pares. Entre as mulheres, o perfil gélido de Carla Peterson (Inseparáveis, 2016) se destaca, ainda que Pilar Gamboa (O Incêndio, 2015), como Sol, seja a que melhor consegue equilibrar uma maior gama de emoções, indo do tesão ao cansaço, do sofrimento ao descaso, sem que estes extremos lhe exijam um comprometimento que termine por destoar dos demais.
Guerschuny e Stuart fazem de Recreio uma grande e quase interminável DR, com explosões, tomadas de atitude e revelações que soam bombásticas assim que vêm à tona, mas logo se desfazem no ar, deixando pouco ou até mesmo nenhuma marca como consequência. Muito é dito, mais ainda se torna suspeito, mas o que é feito a respeito? Praticamente nada. E todos continuam, após a tormenta passar, tão bem – ou tão problemáticos – como antes, como se os dias que aqui somos convidados a acompanhar não tivessem efeito algum além de uma mera sessão de terapia em grupo. Entre conflitos vazios e culpas que não se assumem, também assim é esse filme, que aponta para o drama sem ter coragem de nele se aprofundar, que flerta com a comédia de forma desajeitada e brinca com uma tensão sexual que em nenhum momento é cumprida. As apostas, como se percebe, eram altas. Mas o que se alcança é bem inferior ao que tal conjunto poderia prometer.
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