Crítica
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Sinopse
Mei é uma garota que vive o auge de seus 13 anos no começo dos anos 2000. Inexplicavelmente, ela passa a se transformar num gigante panda vermelho sempre que fica nervosa ou animada (o que é uma constante).
Crítica
Há dois filmes em conflito na trama de Red: Crescer é uma Fera, produção da Pixar que, ao invés de ganhar lançamento nos cinemas, acabou sendo lançada diretamente no streaming da Disney + (o que, por si só, diminuiu as expectativas a seu respeito). O primeiro é uma comédia adolescente sobre jovens tendo que lidar com primeiros amores, descoberta da sexualidade, pressões paternas, bullying escolar e rumos a seguir. O outro é sobre traumas familiares, voltados principalmente a uma ancestralidade oriental, com dilemas e questões bastante próprias. O primeiro, por si só, é quase um gênero à parte no cinema hollywoodiano. Já o segundo tem ganhado cada vez mais força nos últimos anos, como títulos como Operação Big Hero (2014) e Podres de Ricos (2018) tão bem podem atestar. A partir dessa constatação, se percebe que, se há méritos na produção – e, de fato, eles existem – não estão, no entanto, em uma suposta originalidade. Além disso, há elementos fantásticos unindo um polo ao outro, uma ligação que, se na maior parte do tempo pode soar forçada, por alguns instantes adquire um caráter quase mágico, salvando o todo de um ostracismo genérico.
A jovem Mei-Mei tem apenas 13 anos, mas de acordo com o seu ponto de vista, e praticamente uma adulta. A garota executa suas tarefas domésticas, vai bem nos estudos, está inscrita em um sem-número de atividades extracurriculares, está sempre ao lado das melhores amigas e, veja só, é capaz de ir sozinha para o colégio. O que a diretora Domee Shi (vencedora do Oscar pelo curta Bao, 2018, que já abordava relacionamentos entre pais e filhos num contexto de forte influência chinesa) quer deixar explícito, e de modo nada sutil, é que sua protagonista pode até acreditar estar no domínio das situações nas quais se encontra, mas a verdade é que há tantas pressões diferentes ao seu redor que, ainda mais se tratando de alguém tão novo, não haveria como lidar com tudo de maneira tranquila. Só que ao invés de um burnout – expressão bastante em voga atualmente – ou de apenas extravasar sua inabilidade e falta de experiência para fazer frente à tamanha demanda com atos aleatórios de rebeldia, o que lhe acontece é ainda mais inesperado: certo dia, ao acordar, se vê transformada em um panda vermelho!
Uma vez estabelecida essa situação, a dicotomia se torna mais evidente: apesar de uma evidente rejeição inicial – ainda mais se levando em conta que o que os adolescentes de hoje menos querem é ser diferente dos demais – logo o que poderia ser visto como desvantagem se torna um mérito valorizado. Mei-Mei, de nerd oficial da escola, passa a ser popular, aplaudida pelos colegas e cuja presença é disputada pelos amigos (e até pelos não muito chegados). Enquanto aproveita esse momento de glória, por assim dizer, há a necessidade de descobrir o que fazer com tal herança. Como é explicado através de diálogos bastante didáticos, nada é tão extraordinário como se poderia imaginar: todas as mulheres da sua família passam pela mesma transformação (!), uma tradição que teve início séculos atrás (!!), mas da qual é fácil se livrar, bastando para tanto enfrentar um ritual místico que possui até um guia de passo-a-passo para não errar (!!!). A menina, porém, terá que decidir: seguir em frente e fazer o que lhe mandam sem muito questionar, ou ousar um outro caminho e encarar o que lhe foi dado como um presente, ao invés de uma maldição.
Há pontos interessantes na narrativa de Red: Crescer é uma Fera. A mais evidente é a direta relação que se estabelece a partir da transformação da protagonista em um animal com as mudanças que qualquer corpo humano experimenta a partir dessa idade. Porém, apesar da analogia não ser nem um pouco discreta, os roteiristas fazem questão de torná-la explícita através de diálogos que chegam a citar pontualmente absorventes femininos íntimos – e a lembrança de que a tradução do título do filme é “Vermelho” não permite dúvidas. Outro ponto controverso é a relação de Mei-Mei com a própria mãe. Nos primeiros dias após adquirir esse poder de mudança, percebe que tal câmbio pode ser controlado, e para isso basta apenas demonstrar controle da mente: quando relaxada e desprovida de preocupações, é na forma humana que se mantém; porém, quando provocada ou nervosa, é o panda que se manifesta. Só que a “paz interior” que almeja, providenciada através de lembranças “ao lado das pessoas que mais ama”, como afirma, não vem de memórias com os pais, mas, sim, com amigas da mesma idade. O ponto crucial para a explosão do seu “animal interno”, importante lembrar, será uma vergonha pública provocada por uma total falta de tato da mãe, que não sabe respeitar a intimidade da garota, demonstrando não ter construído um diálogo sincero com a filha. Por fim, quando a própria figura materna deixa sobressair seu panda, não será uma figura fofinha e adorável, mas um gigante vingativo e destruidor. Uma complexidade que talvez nem mesmo Freud conseguisse explicar.
O mais impactante é se deparar com tais leituras em uma produção voltada a um público adolescente, pra não dizer infantil. Uma das características tácitas da Pixar era estabelecer diferentes linhas de compreensão, atendendo tanto os interesses e entendimentos de um espectador iniciante como também se comunicando com uma audiência mais madura. Red: Crescer é uma Fera não parece imbuído dessa preocupação, funcionando mais como um exercício de autoanálise da realizadora do que buscando ampliar seu discurso através de exemplos e situações que permitam maior identificação. Sim, crescer é um processo estressante, e por diversas vezes ao longo desses anos não serão poucas as situações nas quais cada um terá que enfrentar seu lado selvagem ao almejar uma melhor compreensão do mundo. Uma vez isso claro, há pouco em cena que vá além do óbvio, além de uma possível problematização provocada através de signos rasos, como boy bands, rivalidades femininas e segredos há muito escondidos que, ao virem à tona, se revelam mais simples do que o esperado. As intenções, enfim, são válidas. Seus desdobramentos, porém, são previsíveis e redundantes. E assim, fica evidente que o resultado, em uma análise mais exigente, carece da força que pensa possuir.
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