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Sinopse

Diante de índices de audiência cada vez mais baixos, o âncora Howard Beale é demitido. Ele surta e ameaça se suicidar ao vivo. Depois do choque, a realidade inesperada: o desabafo foi um sucesso de audiência e a miséria humana vira programa de TV.

Crítica

Rede de Intrigas é um filme à frente do seu tempo. Sidney Lumet dirige um longa-metragem que critica de forma satírica os bastidores de um canal de televisão que tem apenas um objetivo: lucrar. Não existe obstáculo ou valor ético que segure os executivos da rede de buscarem audiência para aumentarem suas contas bancárias. A temática não está nada longe da nossa realidade atual, momento no qual os canais de televisão despejam uma programação lotada de shows de gosto bastante duvidoso, sedentos pelos saborosos números do Ibope. Paddy Chayefsky cria um roteiro que, para a época, poderia soar como um exagero apocalíptico. Mas, infelizmente, está muito mais próximo da nossa realidade.

Na trama, o âncora do programa de notícias da rede UBS, Howard Beale (Peter Finch), sabe que seus índices de audiência estão cada vez mais baixos e, por isso, não irá durar muito tempo no ar. Seu melhor amigo, Max Schumacher (William Holden), chefe do departamento de notícias, tenta minimizar a situação, dando uma ideia ácida para Howard, não sabendo da gravidade de seus conselhos. Um dia depois, o apresentador surta e aparece na televisão afirmando que cometerá suicídio dentro de uma semana, em pleno horário nobre. Schumacher entra em pânico com a atitude do amigo, acreditando que sua carreira e de Howard estão acabadas. Mas não é o que acontece. O colapso do âncora acaba dando mais audiência ao programa, fazendo com que os cabeças da rede o mantenham no ar por mais tempo.

A principal defensora de Howard na TV é a ambiciosa Diana Christensen (Faye Dunaway), que tenta ajeitar a programação da rede com programas mais polêmicos – como o projeto The Mao Tse Tung Hour, mostrando um grupo terrorista cometendo atos ilícitos. Outro que não liga a mínima se Howard Beale perdeu o juízo ou não – desde que consiga manter a alta audiência – é o executivo Frank Hackett (Robert Duvall). Os dois são responsáveis pela demissão de Max da UBS, principalmente pelo fato do jornalista ainda ter algum escrúpulo. Beale é encorajado a falar o que pensa na televisão, como uma espécie de guru revoltado para a sociedade. Porém, logo os executivos da UBS aprenderão que deixar um homem sofrendo um galopante colapso nervoso no ar pode ser bastante prejudicial para os negócios.

É bem verdade que Rede de Intrigas começa de forma morna. O narrador com voz cavernosa não ajuda muito – mesmo sendo uma óbvia citação a programas norte-americanos de grandes reportagens, a narração parece um corpo estranho dentro do longa-metragem. Lumet demora um pouco em engrenar a história, fazendo com que não saibamos direito quem acompanharemos por toda a projeção do filme. Em certos trechos, William Holden parece ser o protagonista. Em outros, Peter Finch. Ou Faye Dunaway. Felizmente, a confusão do primeiro ato rapidamente se desfaz e somos apresentados a um thriller dramático brilhante.

Os personagens de Rede de Intrigas são incríveis, defendidos com ótimas performances por cada ator. Faye Dunaway está perfeita como a obcecada e antiética executiva da UBS. Para ela, os fins justificam os meios e até assassinato é uma opção quando algo ou alguém se intromete em seu caminho para o sucesso. Ratings e shares são as palavras do dia e sua vontade de vencer é tamanha que nenhum relacionamento amoroso dura muito tempo. Por isso, não deixa de ser estranho observar Max Schumacher largando sua mulher para cair na tentação de uma aventura com Diane. A executiva tem uma antiga paixão juvenil por Max e se deixa levar igualmente pelos seus sentimentos, mesmo que, aparentemente, essa palavra seja carinhosa demais para nomear o que acontece com os dois. O veterano William Holden tem uma atuação segura e só não se destaca mais pelo fato da trama, por vezes, esquecer completamente de seu personagem.

Fato esse que não acontece com Peter Finch. A câmera é dele sempre que seu Howard Beale está presente. Caprichando no tom messiânico – como um Moisés televisivo – e exagerando positivamente com seus olhos esbugalhados e grandes gestos, Finch é a alma de Rede de Intrigas. Seu personagem perde completamente a noção da realidade e parte em uma jornada quixotesca à procura da verdade, tentando desmascarar toda a mentira do mundo. Seu bordão “I am as mad as hell and I won’t take it anymore” é repetido à exaustão e logo acha eco em seus telespectadores, que estão realmente fartos da situação em que se encontram.

É bom colocar a história em contexto. Os acontecimentos de Rede de Intrigas se passam pouquíssimo tempo depois do final da guerra do Vietnã, após o escândalo de Watergate e com a população cética em relação ao mandato do presidente Ford. Neste cenário, surge um novo Howard Beale, de âncora sisudo para um jornalista sem papas na língua, que não tolera a situação atual dos Estados Unidos e se coloca como porta-voz de uma parcela da população. É óbvio que existe demanda para um programa como este e os executivos da UBS estarão mais do que satisfeitos em aproveitar-se do estado mental de Beale para lucrar com a audiência. Até o chefão da empresa, Arthur Jensen (Ned Beatty, em participação pequena, mas marcante), se intromete na questão, tentando induzir Beale a um caminho proveitoso para a rede.

Mas segurar o desequilibrado Howard Beale será mais difícil do que qualquer um poderia pensar. Com um final irônico e, por incrível que pareça, verossímil – não é difícil acreditar na solução encontrada pelos executivos do canal para resolver o problema - tem-se aqui um dos grandes trabalhos de Sidney Lumet. O diretor abandona seus “cacoetes” em favor da trama, o que só prova o quanto acreditava na importância de ser um contador de histórias competente em detrimento de um autor com uma assinatura indelével. Rede de Intrigas é, sem sombra de dúvidas, uma obra do diretor, não sendo necessário martelar estilismos desnecessários para tanto. Vencedor de quatro Oscar – Ator (Peter Finch, entregue de forma póstuma), Atriz (Faye Dunaway), Atriz Coadjuvante (Beatrice Straight, superestimada) e roteiro (Paddy chayefsky) – e incrivelmente atual, é uma crítica mordaz à falta de ética de certos meios de comunicação, como se diretor e roteirista conseguissem prever o futuro, retratando de forma precisa o nosso tenebroso presente televisivo.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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