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A trama de Rédeas da Redenção tem todos os ingredientes necessários para ser daquelas “inspiradas em uma história real”. Não é o caso, no entanto. E ainda que o roteiro da também diretora Laure de Clermont-Tonnerre faça referência a situações verídicas, seu desenvolvimento é absolutamente ficcional. Isso abre espaço para a performance do protagonista, aqui defendida pelo belga Matthias Schoenaerts, que se sai excepcionalmente bem como um norte-americano sulista encarcerado após um crime confesso. O homem é um vulcão prestes a entrar em erupção a qualquer momento, e a escolha do intérprete, certamente aliada a um direcionamento da cineasta, em transmitir essa turbulência pessoal através do silêncio e da postura corporal, se revela acertada, ainda mais quando diante do seu verdadeiro parceiro de cena: Marquis, um mustang selvagem que, assim como ele, também precisa ser domesticado. A questão, no entanto, é qual dos dois irá ceder antes.
A origem dessa história vem de um programa aplicado nos Estados Unidos de cuidado e recuperação de cavalos criados fora do cativeiro. Essa população, que ultrapassa a marca das 100 mil cabeças, em muitas ocasiões pode ser um problema quando em confronto com atividades humanas, levando os animais a serem caçados ou se afastarem demais do habitat que lhes é natural, diminuindo, assim, suas condições de sobrevivência. Pois bem, uma das soluções encontradas foi a captura de muitos desses espécimes, que são enviados para práticas ocupacionais em presídios por todo o país. Os presidiários recebem a tarefa de domá-los, para que possam ser comercializados em leilões – muitos, aliás, acabam indo servir em polícias montadas e em fazendas. As taxas de recuperação dos prisioneiros envolvidos com essa atividade são altíssimas, e tal atividade tem se revelada positiva para os envolvidos – o lucro das vendas é, em tese, revertido para a proteção daqueles da espécie que ainda se encontram na natureza.
Roman Coleman (Schoenaerts) diz logo numa das suas primeiras cenas: “eu não me dou bem com outras pessoas”. Bom, como estamos em um filme sobre cavalos, quando um personagem diz algo assim, não precisa ser nenhum gênio para imaginar o que virá a seguir: é óbvio que ele só conseguirá se acalmar quando em contato com o animal. O homem acaba sendo escalado para o exercício de domar o bicho, mas não será algo que irá conseguir com facilidade. Antes de executar o que lhe é solicitado com efeito, precisará dominar a raiva que há dentro dele. Esse sentimento se acentua toda vez que precisa lidar com a filha adolescente, já grávida e em busca da aprovação dele para conseguir a própria emancipação e, enfim, se ver livre do pai que nunca lhe deu o carinho ou atenção que necessitava. Há muitos sentimentos contraditórios entre os dois. Porém, o constrangimento que é quase sólido cada vez que ambos precisam interagir, aos poucos vai se transformando em algo diferente, mais sensível e, talvez por isso mesmo, fácil de ser identificado.
Um dos méritos do filme de estreia de Clermont-Tonnerre é o impressionante trabalho de Géraldine Mangenot, que havia atuado na montagem de filmes como Os Cowboys (2015) – de temática semelhante – e Ferrugem e Osso (2012) – esse estrelado pelo mesmo Schoenaerts. O uso que faz das imagens e como as dispõe em cena é admirável, tanto no aproveitamento dos belos cenários naturais – cortesia da fotografia de Ruben Impens (Querido Menino, 2018), que tanto explora a imensidão dos campos como a clausura do aprisionamento com efeitos similares – como ao apontar os diferentes estados de espírito de Roman, praticamente se abstraindo nas passagens em que se acalma, como ao investir numa dinâmica tensa quando o conflito se instaura. Para se ter uma ideia, ele chega a lutar aos socos com um dos cavalos, e em outro momento é atacado pelo animal. Se não fosse a edição precisa, tais passagens poderiam resultar em algo tanto risível como, num outro sentido, inverossímil. Felizmente, não é o que acontece.
Quando o título nacional já é um verdadeiro spoiler, há pouco o que se esperar do enredo do filme. Mas Rédeas da Redenção consegue ir além das suas expectativas mais óbvias, muito pelo talento de Schoenaerts, um dos atores europeus mais interessantes dessa última década e com melhor trânsito por Hollywood, já tendo marcado presença tanto em dramas como em histórias que exigem mais do seu porte físico. Aqui, os dois lados lhes são exigidos. Por mais que algumas soluções sejam aplicadas de forma um tanto simplista, os paralelos narrativos sejam evidentes e certas subtramas não cheguem a ser desenvolvidas à contento, há elementos suficientes para elevar o conjunto acima da média. E diante de tamanha entrega, ainda mais tendo em conta que tais combinações poderiam ter desandado a qualquer instante, é saudável perceber que a estrutura se mostra sólida, digna do interesse levantado e fazendo jus aos méritos envolvidos.
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