Crítica
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Sinopse
O capitão Jefferson Kyle Kidd se muda de cidade em cidade ganhando a vida como contador de histórias após o fim da Guerra Civil norte-americana. Ele é incumbido de escoltar a arredia Johanna, menina de 10 anos acolhida pelo povo Kiowa, criada como uma deles, agora prestes a ser devolvida aos seus tios biológicos.
Crítica
Há muitos ecos em Relatos do Mundo. O protagonista, Capitão Kidd (Tom Hanks), vagueia pelas cidades sulistas norte-americanas no fim do século 19 lendo jornais àqueles sem acesso às apalavras. Adiante, se depara com uma menina, Johanna (Helena Zengel), largada à própria sorte depois que o homem encarregado de leva-la de volta à família de nascimento foi assassinado por ser negro. Tragado pelas circunstâncias, após relutar um pouco (mas não tanto), ele assume a missão de guiar essa criança indefesa até os seus. Ora, não é preciso ir tão longe para encontrar uma história com múltiplas semelhanças. Para isso, basta retroceder até 1998, aqui no Brasil mesmo, e mirar Central do Brasil. Assim como o personagem de Hanks, a de Fernanda Montenegro coloca sua alfabetização a serviço dos que não conseguem ler/escrever. Ela também hesita diante da demanda do menino órfão rumo às suas origens (a diferença é o desejo manifestado da criança) num filme que vira exemplar de estrada. Porém, a despeito das equivalências quanto à trama, há diferenças essenciais quanto às abordagens dos cineastas Paul Greengrass e Walter Salles, sendo um superficial e o outro denso.
Seguindo nessa comparação, em Central do Brasil a trajetória da dupla improvável vale o quanto pesa a ambos e acaba revelando aspectos do contexto social no qual eles estão inseridos. Partindo dos preceitos do Neorrealismo Italiano, a câmera de Walter demonstra interesse diante da realidade descortinada pelos olhos desbravadores da dupla. Em Relatos do Mundo, a jornada enfatizada é a do homem que viu os horrores da guerra de perto e gradativamente se apega à menina dividida entre tradições completamente diferentes, antagônicas. Mas, mesmo que o Capitão seja efetivamente o protagonista, nem ele tem suas motivações e/ou atitudes observadas curiosamente ao ponto de exibir profundidade. Como boa parte dos personagens interpretados por Tom Hanks ao longo de sua carreira, o veterano pode ser definido estritamente como um homem bom disposto a tudo para fazer a coisa certa. Talvez para ressaltar justamente o caráter dessa figura, Greengrass não invista tanto na complexidade do contexto, apenas flertando com isso na cena da leitura de um feito operário potencialmente inflamando numerosos homens e mulheres explorados pelo patrão capitalista.
Ainda quanto aos ecos anteriormente mencionados, pode-se explorar igualmente a ponte direta, escancarada, que Relatos do Mundo faz com Rastros de Ódio (1956) um dos maiores faroestes do cinema, bem como equipará-lo aos “filhos” célebres desse western – tais como Taxi Driver (1976) ou Paris, Texas (1984), para citar apenas dois enormes entre inúmeros. Assim como o personagem se John Wayne no longa-metragem de John Ford, Capitão Kidd é uma testemunha da recém-finda guerra em meio à relação com uma jovem branca raptada por tribos indígenas, formada por tradições distintas e, portanto, dotada ela própria de uma dimensão trágica. Porém, Paul Greengrass não investiga agudamente a personalidade do homem fraturado, tampouco atribui à sua determinação uma vontade de expurgar pecados do passado através da salvaguarda da donzela inocente, duramente apartada de qualquer noção de pertencimento. O protagonista até cita os horrores do conflito, mas não há um mergulho nessas lembranças potencialmente dolorosas. Portanto, novamente há um descrédito quanto à importância do cenário prévio, aparentemente tão vital à compreensão do presente instável e do futuro incerto. Até o senso de urgência na viagem por terras ermas é algo bastante pontual.
Permanecendo nessa observação de seus vários desperdícios, Relatos do Mundo não permite que a pequena e talentosíssima Helena Zengel sobressaia. Isso acontece por conta do espaço reduzido conferido à sua personagem, menos coprotagonista do que deveria/poderia, apêndice do percurso emocional do companheiro de estrada. A conexão estabelecida entre eles é bonita, mas dramaticamente frágil, constituída de indícios de proximidade não consolidados como afeição genuína e/ou desespero diante de um porto seguro. Voltando ao paralelo com Central do Brasil, no filme brasileiro temos o órfão e a tutora de ocasião sendo desenvolvidos simultaneamente, cada qual com suas demandas realmente afetando o outro de maneira decisória, do que decorre a textura e a robustez do vínculo criado. Aqui, as frequentes adesões a aspectos superficiais, embora urgentes dentro daquelas situações, e a falta da disposição por adentrar nas frestas para compreender seriamente do que são feitos os gestos de resistência nesse território avesso à luta antiescravagista, criam o ambiente a uma história bem contada, de andamento fluído, mas que persiste pouco diante de pares melhores.
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