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Sinopse

Tyler Rake é um agente especial dos Estados Unidos no Oriente Médio. Ele recebe a difícil missão de libertar um garoto indiano que é mantido refém na cidade de Dhaka. Apesar de estar preparado fisicamente, o soldado precisa lidar com crises de identidade e seu emocional fragilizado por problemas do passado.

Crítica

O início de Resgate (2020) não desperta as melhores impressões. Bangladesh é retratada por um plano aéreo favorecendo a pobreza e a poluição, enquanto um filtro sépia-curry torna o ambiente abafado. Chris Hemsworth se encontra gravemente ferido sobre uma ponte, observando a câmera de maneira sedutora enquanto posa em imagem de durão. Uma bela mulher surge para limpar as feridas no rosto dele. Em paralelo, os vilões correspondem aos tradicionais mercenários riquíssimos e impiedosos, que observam seus homens brigarem por ele à distância enquanto organizam um banquete em sua torre de ouro e marfim. Tudo leva a crer que nos encontramos diante da representação genérica da pobreza em lugares exóticos, cabendo ao homem loiro, belo e musculoso de um país “civilizado” acabar com o crime na região incapaz de solucionar seus problemas sozinha. Teríamos o embate maniqueísta de mocinho contra os bandidos, com o acréscimo de uma criança inocente e ingênua entre os dois para aumentar a tensão (afinal, o espectador não se importa em ver adultos baleados, mas crianças despertam piedade).

No entanto, aos poucos o filme brucutu traz subversões pontuais, porém notáveis, ao gênero. Tyler não se torna uma figura paterna para o garotinho sequestrado – a relação entre eles permanece comercial, ou seja, o protagonista faz o possível para salvá-lo porque foi pago para isso. O pai do menino não é um sujeito sofredor, e sim um gângster perigoso. O protagonista jamais terá qualquer forma de romance com Nik (Golshifteh Farahani), a quem cabe boas cenas de ação, sem precisar se transformar numa mulher masculinizada. Melhor ainda, o roteiro permite uma improvável troca de alianças: ao invés dos honestos contra os perversos, Tyler será obrigado a se unir com pessoas que combatia a princípio, enquanto amigos próximos se revelam mais perigosos que os adversários oficiais. A trama inclusive permite que os atiradores sejam percebidos enquanto pais de família, preocupados com os filhos pequenos. A narrativa estabelece paralelos entre esses os dois lados da luta: Tyler, o matador Sanju (Randeep Hooda) e Ovi Sr. (Pankaj Tripathi) são comparados por serem pais de garotos pequenos, atacando a família alheia para proteger o próprio filho. Eles não matam por serem inerentemente malvados, e sim por motivos financeiros ou de defesa.

Resgate se transforma por completo com a chegada da primeira cena de ação, no caso, uma perseguição frenética de mais de dez minutos entre Tyler e Sanju, em plano-sequência (com cortes disfarçados pela montagem). Este momento, o melhor do filme, impressiona pela dificuldade, pela fluidez e pela brutalidade da ação: a câmera efetua coreografias impensáveis subindo e descendo escadas, caminhando por corredores estreitos e caindo do mezanino de prédios, filmando um carro da parte externa apenas para então atravessar a janela e continuar acompanhando os personagens pela parte interna do veículo. Em duas ou três cenas, o resultado se assemelha aos malabarismos deslumbrantes propostos pelos sul-coreanos em The Chaser (2008) e Eu Vi o Diabo (2010), dois filmes de ação onde a câmera se torna personagem, ao invés de fonte de registro externo. A imagem se intromete entre as brigas, no meio de um atropelamento, recebendo os respingos de sangue e a fumaça das explosões. O filme da Netflix resgata essa fisicalidade crua, que torna os embates mais palpáveis e também mais espetaculares, com ajuda da classificação etária proibida para menores de dezoito anos. Se fosse lançado nos cinemas, o filme provavelmente diminuiria a violência para atingir um público mais amplo. Como o lançamento ocorre em streaming, o diretor Sam Hargrave se delicia com tiros à queima roupa, facadas múltiplas em cada adversário, ossos quebrados e pessoas cuspindo sangue. Quem imaginaria ver Chris Hemsworth dando socos fortes em crianças pequenas e cortando o pescoço de dezenas de homens?

Os méritos recaem tanto sobre o roteiro de Joe Russo e sobre a produção dele com o irmão Anthony Russo (a dupla responsável pelos melhores filmes da Marvel), quanto pela escolha de Hargrave para a direção. Os irmãos Russo aprenderam a lição extraída escolha de David Leitch para comandar as sagas John Wick (2014 - 2019) e Atômica (2017 -2021): às vezes vale a pena contratar um dublê e especialista em lutas para comandar um filme de ação. Hargrave não possui muita criatividade na hora de apresentar personagens nem locações. No entanto, a cada combate entre Tyler e Sanju, Tyler e Gaspar (David Harbour) ou durante o clímax, o cineasta consegue extrair o melhor do seu elenco e de sua equipe de dublês. Ao invés de fragmentarem as lutas na montagem para facilitar a filmagem e sugerir urgência, estes novos dublês-diretores seguem o caminho oposto, esticando os planos cada vez mais e sugerindo veracidade no contato físico. Neste caso, a decupagem ocorre no interior de cada cena, enquanto a câmera permanece ligada. A luta se assemelha a uma dança: Hemsworth simula o ato de dar um tiro em um homem, virar de costas e combater um segundo, esfaquear um terceiro, cair no chão pelo golpe do quarto, torcer o pescoço deste, se recompor e matar mais um etc. A proximidade da ficção com o tempo real beneficia a ação.

O resultado poderia ir muito mais longe, refinando a parte dramática ao invés de aprimorar apenas as lutas. No entanto, o filme se enfraquece a cada conversa dramática, recorrendo a momentos melodramáticos (o flashback do anjinho loiro), frases de efeito inverossímeis e tentativas questionáveis de crítica ao preconceito racial (“Sou apenas um pacote. Com papel pardo”, frisa o garoto indiano). Além disso, quando não está concentrada nos efeitos de tiros, gritos e ruídos na rua, a equipe de som se torna incapaz de imaginar um desenho sonoro para os interiores pacíficos: as conversas entre dois personagens parecem ocorrer em bolhas herméticas, visto que não há qualquer outro barulho ao redor. Ressalvas feitas à superficialidade dos personagens (o herói é um homem traumatizado por uma perda pessoal, como sempre) e à defesa da resolução de conflitos por comprovações de virilidade e caminhos bélicos, Resgate se posiciona acima da maioria dos projetos do gênero. O destino reservado a Tyler, Nik e Amir surpreende, ao passo que as mulheres se destacam no final. Mesmo que seja apenas pelo balé de tiros e explosões, o projeto comprova a capacidade do esgarçado cinema de ação em atualizar e refinar sua linguagem de base.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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