20150131 respire affiche

Crítica

Duas meninas beirando seus 18 anos se conhecem na escola e logo começam uma animada amizade. Uma delas, mais tímida, retraída, sem jeito com meninos. A outra, espevitada, despachada, viajada. Daquele tipo que ilumina uma sala quando entra, chamando sempre a atenção para si. Com a proximidade cada vez mais constante, começa a bater uma atração que chega de mansinho. É um toque aqui, um carinho acolá, um selinho dado meio que sem querer. Assim começa Respire. Por ser uma produção francesa, com duas belas jovens como estrelas, a primeira ideia que vem a cabeça ao se deparar com esta trama é estar acompanhando um novo Azul é a Cor mais Quente (2013), polêmico longa-metragem dirigido por Abdellatif Kechiche. Ledo engano. Não demora nada para que a cineasta Mélanie Laurent, recém em seu segundo longa-metragem como diretora, mostre o que verdadeiramente está guardando para aquelas duas moças: uma história de traição, mentiras, bulling e desilusão, muito mais para um Atração Fatal (1987) do que para um romance açucarado.

Baseado no livro de Anne-Sophie Brasme, o roteiro de Respire é assinado por Laurent ao lado de Julien Lambroschini, e nos apresenta Charlie (Joséphine Japy) e Sarah (Lou de Laâge), respectivamente, a tímida e a extrovertida. O relacionamento entre as duas parece perfeito. No que uma falta, a outra compensa. Sarah acabou de chegar ao colégio e as duas parecem velhas conhecidas. Passam o maior tempo possível grudadas. E aí começa a atração de Charlie pela outra. Ainda que pareça uma relação mutuamente proveitosa, ela não deixa de pensar que sua nova amiga, por vezes, não lhe dá a atenção devida. E mais: algumas histórias que ela conta não parecem bater com a realidade. Mesmo com estas cismas, Charlie faz de tudo para se manter próxima de Sarah, ainda que não esteja feliz da forma como é tratada. O ponto de virada se dá quando, depois de cansar dos maltratos, Charlie segue Sarah até sua casa e descobre uma verdade inconveniente, que muda completamente a relação das duas.

Contar mais a respeito de Respire tiraria algumas boas surpresas que a trama reserva. O que é possível dizer, sem estragar o programa de ninguém, é que a diretora Mélanie Laurent consegue pontuar muito bem as duas partes da história, conseguindo trabalhar de forma convincente os dois gêneros que acaba trabalhando. Isso porque seu filme, que começa como um drama romântico, vira um drama psicológico a partir da metade da história. Se na primeira parte do filme, a diretora consegue trabalhar bem as protagonistas, nos apresentando suas personalidades, e colocando na mesa temáticas como a dependência, ingenuidade e os conhecidos problemas familiares, na segunda, temos um interessante estudo de personagem e uma visão dos problemas que um desentendimento pode causar - desde rusgas pequenas até um perigoso bullying.

Charlie reside em um ambiente destruído. Observando seus pais brigando constantemente, é um alívio para a moça saber que seu pai está saindo de casa - uma das inúmeras vezes que acontece uma separação. Sua mãe, interpretada com acertada angústia por Isabelle Carré, não sabe mais o que fazer com sua vida amorosa e vive chorando pelos cantos. Sarah é um alívio para Charlie, dando uma lufada de ar fresco naquela casa. Mal sabe ela que Sarah também vive em um ambiente venenoso, ainda que nunca revele isso para a amiga. Sabendo deste background de cada uma, é possível entender o comportamento de cada uma - não justificando, logicamente, o que acaba por acontecer.

Tanto Joséphine Japy quanto Lou de Laâge entregam atuações robustas. É verdade que a primeira passa boa parte do filme em uma nota melancólica - mas quando acontece seu estalo, a transformação é impressionante. Já Laâge dá força a uma menina que poderia enlouquecer qualquer um com sua visão deturpada da realidade e com sua extrema frivolidade. Passar um tempo com Sarah é estar em uma montanha russa de emoções, pois nunca é possível saber qual será sua reação para as mais variadas situações. Se a primeira metade do filme, mais voltado para o drama romântico, funciona bem, a segunda parte, com o lado mais psicológica da trama, é ainda melhor. Isso porque Laurent emprega um tom quase claustrofóbico para sua narrativa, colocando Charlie em um lugar em que ela nunca havia estado.

Respire só não é perfeitamente executado por apresentar problemas de ritmo e de repetição de temáticas, ambas no segundo ato. Ao bater na mesma tecla do afastamento entre as duas meninas, Laurent vai afastando o espectador do que verdadeiramente interessa. Felizmente, quando isso acontece, depois de uma pequena barriga no final do segundo ato, o estouro é grande. E as consequências também. Nada mal para um filme que parecia derivativo em um primeiro momento, acabar se mostrando um interessante estudo de personagens e um efetivo retrato das cicatrizes psicológicas que podem ser criadas na adolescência.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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