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Sinopse

Segundo tem apenas 14 anos, mas já sonha em se tornar um grande montador de retábulos, assim como seu pai. Seu desejo é manter o legado da família. No entanto, quando, acidentalmente, observa o pai em uma situação muito íntima, tem seu mundo abalado por inteiro. Agora, terá que lidar em silêncio com tudo que está acontecendo ao seu redor.

Crítica

Segundo tem apenas 14 anos. Todo o mundo que conhece, está ao alcance dos seus olhos. As montanhas dos Andes Peruanos, os vizinhos, amigos e conhecidos da pequena vila mais próxima e suas redondezas. Sua vida, ainda que em tão tenra idade, já está traçada. Será como o pai, artesão. É nesse homem em quem encontra proteção e carinho, respeito e afeto, orientação e exemplo. Está feliz com o destino que lhe foi proposto, e o abraça sem hesitação. Porém, certo dia, um passo em falso é dado, uma janela não prevista é aberta, um olhar descuidado se concretiza. E com isso, aquilo que lhe era normal passa a ser estranho. Não reconhece mais a si, nem aos demais. Tudo o que acreditava não mais existe. Resta apenas a arte. Retablo tem muito claro isso em seu horizonte: o poder transformador da criação. O exemplo que altera e ensina, que educa e perdoa. Dentre os mais simples, é a mudança que falará mais alto.

O garoto sai todos os dias com o pai. Percorrem longas jornadas, estradas sem fim, caminhos que parecem não ter mais volta. Saem cedo, sem hora para voltar. Possuem entregas, compromissos a serem cumpridos, e com muitos têm o que falar. O homem faz contatos, dialoga com todos, espalha admiração e confiança. Sabem que no seu olhar a verdade se encontra. Além do que uma fotografia é capaz de registrar, ou uma descrição floreada pode imaginar, estará no que ele vê – e, mais do que isso, na forma como suas mãos irão trabalhar – o retrato que será eternizado. Querem se ver através da representação que ele propõe. Ele é um instrumento, portanto. E o filho sabe disso. Observa com cuidado, ciente que são esses movimentos que ele deverá reproduzir não hoje, mas talvez amanhã, com certeza no futuro. Mas será sua a responsabilidade de se portar tal qual os moldes paternos em todas as áreas? Será possível ser igual num aspecto, e o oposto num outro? E, ainda assim, mantendo tudo o que foi construído entre eles?

O diretor e roteirista Alvaro Delgado Aparicio transita por terrenos bastante sensíveis em Retablo. O título, preservado no seu original no lançamento no Brasil, também é eficiente em evocar uma autenticidade muito típica da região na qual sua trama se insere. Fala-se de pessoas que parecem ter ficado paradas no tempo, perdidas entre visões ultrapassadas e uma modernidade que ainda parece distante, mas que se aproxima numa velocidade para a qual não estão preparados. Seguem presos à antigos paradigmas e crenças que não possuem mais força para continuarem válidas. Da mesma forma, se prendem à diretrizes obtusas, que há décadas – ou mesmo séculos – poderiam se fazer valer sem maiores discussões, mas que agora são palco de muito debate e discussão. O filme também serve para isso. Ele não existe para impor verdades. O que almeja é a troca e a reflexão. Em ambos os lados da tela.

Muito disso está na interpretação silenciosa, porém determinada, do jovem Junior Bejar, aqui em seu primeiro trabalho como ator. Com pouco o que dizer, carrega um peso muito maior do que o a si mesmo dentro de si. Engole cada descoberta no seco, mas assim o faz porque é preciso. E segue adiante, buscando encontrar, ainda que sozinho, a forma certa de dar o próximo passo. A questão LGBT é inserida na trama sem alarde ou aviso prévio. Apenas surge, se instaurando de forma decisiva, alterando tudo e a todos. O contexto se reconfigura, e a dinâmica familiar adquire novos contornos. O que antes era digno de aplauso e consideração, passa a ser condenado e motivo de repulsa. Quando todos tendem para um único lado, é preciso mais do que a razão para se opor ao consenso e partir na direção que lhe parece ser a certa.

Assim como os pequenos personagens feitos de batata espremida que, da massa disforme ganham forma e cor, ilustrando aspirações e desejos, também estarão nos retábulos tão primorosos o porto seguro que permitirá seguir em frente, sozinho ou não. Tem razão quem parte, mas também aquele que fica. O diretor sabe disso, e por isso não apressa a narrativa, que apesar do curto espaço de tempo que dispõe, faz uso dele com sabedoria e paciência. Retablo não se manifesta para ditar regras nem provocar os escondidos pelas sombras. Mas está presente, como um lembrete, e também uma garantia. Mais do que isso, um alerta. Há muito o que ser dito, e tão poucos dispostos a ouvir. Em situações assim, nada melhor do que o exemplo. Ainda que em alguns casos, ele possa vir tarde demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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