Crítica

Também chamada de A Revolta dos Pretos, a Revolução Zanj é considerada por muitos como o maior levante no mundo árabe de negros escravizados. Tratou-se, portanto, de uma rebelião de escravos africanos contra muçulmanos que consistiu em uma série de revoltas que tiveram lugar ao longo de um período de quinze anos, durante o século IX d.C., perto da cidade de Basra (ou Basara, conforme o historiador), atual região do Iraque. A partir deste episódio, o diretor Tariq Teguia constrói o seu Revolução Zanj, porém nunca da maneira óbvia: ao invés de idealizar uma reconstituição histórica dos fatos ancestrais, ele propõe uma visão sobre os mesmos a partir de uma perspectiva contemporânea, ilustrando paralelos que soam mais próximos da realidade de hoje do que seria possível imaginar em um primeiro instante.

Em 868 d.C., o império islâmico Abássida tinha como capital a cidade de Bagdá, um lugar cosmopolita com mais de um milhão de habitantes que enfrentava um período de pleno crescimento e desenvolvimento científico, filosófico e cultural. No entanto, havia uma escassez de recursos humanos, e por isso a recorrência ao serviço escravo, proveniente de povos colonizados. Os turcos foram aproveitados como soldados, os africanos eram raptados e enviados ao Oriente Médio. E assim prosseguiu por muito tempo, até capturarem homens Zanj, apelido cujo significado é “negro” e que era dado por escritores árabes aos povos da África Oriental de língua bantu. A definição, extremamente preconceituosa, era de que os Zanj eram “pessoas de cor preta, nariz achatado, cabelo crespo e pouca compreensão ou inteligência, aliás, são os menos exigentes da humanidade, e os menos capazes de compreender as consequências de suas ações, com características morais instintivas próximas as dos animais”. Bom, a história se encarregou de mostrar o quão equivocados estavam estes conceitos, sendo que o primeiro de todos os combates já contou com mais de 500 mil revoltos*.

O protagonista de Revolução Zanj é um negro argelino, Ibn Battuta (Fethi Ghares). Jornalista, vai ao Líbano pesquisar as origens deste episódio histórico e quais as repercussões sobre o mesmo que podem ser identificadas nos dias de hoje. Ele acredita que nunca antes, durante todos estes séculos, duas situações foram tão similares: os escravos de ontem, os refugiados sem pátria de hoje. Pelo caminho encontra Nahla (Diana Sabri), uma jovem palestina envolvida em atos políticos pró construção do seu país. Os dois estão no meio de um tiro cruzado intenso, entre africanos do norte, oriente médio, judeus e muçulmanos. Ao mesmo tempo em que se encontram um no outro e percebem mais similaridades entre eles do que um primeiro contato poderia permitir, também descobrem que nem sempre a história se repete, e o destino de outrora pode muito bem abrir espaço para uma outra realidade atual.

Vencedor do prêmio da crítica no Festival de Veneza por seu trabalho anterior, Gabbla (2008), Tariq Teguia é também fotógrafo profissional e professor de História da Arte. Com esse repertório, ele faz de Revolução Zanj um filme de imagens muito fortes, composto por um discurso hermético e repleto de significados intrínsecos, o que aproxima os iniciados e afasta os menos entendidos. Com uma trama extremamente fragmentada e repleta de elipses, é um filme que provoca até certo ponto, porém, ao se estender demasiadamente em uma postura contemplativa, torna-se repetitivo e oblíquo. Temos o passado vivo que está sendo consumido pela realidade capitalista de hoje – e a presença de empresários americanos pontuando a narrativa não é mero acaso – e esse protagonista que se esforça em olhar para trás para conseguir vislumbrar o amanhã. Mas nem ele tem pernas tão largas que possibilitem uma jornada sem percalços. Afinal, as moedas que encontra podem não mais valer alguma coisa, mas o que representam está além de uma percepção leviana. Assim como esse filme, uma obra difícil, mas dona de insuspeitas qualidades.

*com informações do historiador Walter Passos

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