Crítica
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O complexo do branco salvador (white savior) foi amplamente utilizado no cinema ao longo das últimas décadas. Ele prevê personagens brancos, geralmente homens, surgindo para socorrer indivíduos marginalizados ou grupos vulneráveis. Esse arquétipo é nocivo à medida que sugere uma incapacidade desses povos de encontrar soluções próprias, assim dependendo da iniciativa de messias brancos para alcançarem determinado objetivo. Em Ricos de Amor 2 é exatamente a esse tipo de estratégia narrativa à qual recorrem os roteiristas Bruno Garotti (também diretor do longa-metragem) e Sylvio Gonçalves. Aparentemente, a sequência de Ricos de Amor (2020) é apenas mais uma trama romântica inofensiva em que a mocinha e o mocinho passam por contratempos antes de reafirmarem o quanto se amam apesar das diferenças. Teto (Danilo Mesquita) está administrando com dois amigos uma cooperativa de produção e venda de tomates orgânicos. Filho de um grande produtor da fruta, ele entra em parafuso quando a sua namorada, a médica Paula (Giovanna Lancellotti), anuncia viagem à Amazônia a fim de atender comunidades ribeirinhas e indígenas (olha a primeira branca salvadora). Transtornado com a notícia, o filhinho-de-papai mimado dá um jeito de ir a Manaus atrás da moça, inclusive por conta do ciúme sentido pela constante proximidade do colega médico vivido por Adanilo Reis.
Os diálogos e os dilemas de Ricos de Amor 2 são simplórios. Graves problemas são resolvidos com rapidez desconcertante (no sentido negativo do adjetivo), mágoas e restrições são desfeitas em prol da urgência da missão nobre, com Teto assumindo gradativamente o posto do branco salvador que aprenderá a ser uma pessoa melhor na convivência com os indígenas locais. Bruno Garotti cria uma jornada esquemática em que somos convidados a enxergar o herdeiro como alienado egoísta, pronto a coisas como perseguir a namorada e dar de ombros às demandas dos amigos menos afortunados financeiramente apenas porque ele pode. A estratégia é nos afastar de Teto, observá-lo como um babaca quase completo, para supostamente percebermos melhor a sua transformação possibilitada pelo contato com a ancestralidade dos povos originários. Falando assim, pode parecer que há uma troca entre os moradores da região e o herdeiro do império de tomates, sobretudo porque a sua atuação é fundamental ao confronto com garimpeiros desalmados que operam na região. Mas, aí é preciso compreender a prioridade do filme, tendo em vista o imbróglio romântico considerado protagonista. Muito mais do que o aprendizado de Teto, é relevante o quanto a sua conscientização beneficia os indígenas. O vai-e-vem amoroso é burocrático, uma desculpa esfarrapada para Teto se tornar um novo homem.
A resolutividade de Paula poderia ser aproveitada para enfatizar a emancipação feminina. Isso até é pronunciado, mas nunca se torna algo relevante em Ricos de Amor 2. Sobram cenas de Teto correndo contra o tempo para apagar a impressão de ser apenas um herdeiro sem real noção do privilégio no qual foi criado. Primeiro, ainda em enquanto está um pouco perdido, ele surge com a proposta de cooperativa que visa “salvar” os indígenas da atual miserabilidade. Segundo, ele tem todo um ritual forçado/romântico de aceitação na comunidade descendente dos povos originários, com direito ao posterior confronto diante do grande vilão garimpeiro ornamentado com tintas de guerra e munido de arco e flecha. Não há nuances e nem sequer atitude política nessa conexão entre opressores, oprimidos e opressores “conscientes” que se apiedam dos oprimidos à espera de uma figura profética que lhes proporcione um futuro. Do ponto de vista do drama romântico, as resoluções repentinas somente desatam os nós de confusões armadas esquematicamente. Exemplo disso, o beijo entre a heroína e o oponente, instante devidamente flagrado pelo herói. Por mais que Paula reclame de Teto, ela sempre sucumbe aos encantos do rapaz sem muito protestar no fim das contas. E, além disso, as tramas paralelas, a dos coadjuvantes, servem apenas para que a jornada de Teto tenha algum contexto.
Ricos de Amor 2 é fruto de uma abordagem anacrônica, convencido da suficiência da reprodução de lugares-comuns para construir a sua história feita de aprendizados e metamorfoses idealizadas. Antes uma lagarta mimada e fechada num mundo de riqueza, Teto aprende o valor da comunidade e de transforma na linda borboleta digna do amor de Paula e do desfrute dos segredos da natureza. Enquanto isso, vemos indígenas atacados por garimpeiros, sendo o médico indígena o único fora do circuito dessa branquitude formadora de uma brigada essencial à sobrevivência da comunidade desprotegida. Supostamente em prol de uma não generalização, há os capitalistas selvagens e inescrupulosos, mas também aqueles que têm um coração bondoso, vide o homem que não demonstra qualquer contrariedade ao saber que terá de dividir a sua fortuna com o irmão que julgava ser outra coisa. No entanto, essa oposição serve apenas para gerar um novo contraste sem nuances entre os aspectos positivos e negativos de uma questão que não esconde a sua vocação pelo maniqueísmo. A dupla de roteiristas não deixa sequer margem para duvidarmos, ao menos um pouquinho, de que depois da tempestade certamente reinará a bonança. Contudo, o pior dessa produção Netflix é a crença fundamental de que, seja o amor pela médica ou a salvação dos indígenas, tudo passa pela jornada de evolução de Teto. Além de reiterar esse complexo do branco salvador, o filme ainda condiciona o relacionamento às decisões a atitudes do homem, reduzindo a “empoderada” a ser reativa.
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