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Crítica


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Sinopse

Uma reflexão sobre a autonomia feminina. O topless surge como uma prática libertária e de afirmação da mulher.

Crítica

Há três instâncias narrativas coexistindo em Rio de Topless. Na primeira, a cineasta Ana Paula Nogueira entrevista pessoas sobre o topless, geralmente espraiando-se por questões sintomáticas derivativas, tais como machismo e cerceamento da liberdade feminina. A segunda, frequentemente de suporte, é o material exemplificador, vide os grafismos e as fotografias que remontam a episódios do passado, especialmente quando na metade inicial se entende a praia de Ipanema dos anos 1970 como propícia para ressaltar várias lutas por liberdade. E a terceira, por fim, é a performance, que não deixa também de ter seu caráter poético constantemente alijado diante da utilização meramente ilustrativa. Em todas elas a realizadora se faz presente, mas de forma pouco diretamente conectada. Ana se coloca como personagem, algo absolutamente natural tendo em vista seu notável empenho como ativista de direitos que deveriam ser entendidos como inalienáveis. Todavia, essas atuações performáticas e exemplificadoras não são evocadas no seu exercício de questionadora.

De início, sobressai um painel relativamente histórico da instrumentalização do topless no Brasil, inclusive como forma de reafirmar a autonomia feminina. Cronistas da vida pretérita nas saudosas areias das praias da zona sul carioca falam de encontros possíveis nas dunas mitificadas em plena ditadura civil-militar. Testemunhas privilegiadas e partícipes, como Angela Ro Ro, rememoram tempos em que, paradoxalmente, o Brasil parecia menos careta em meio aos desígnios do regime autoritário. Mas, mesmo diante desses exemplos, a cineasta se coloca como ouvinte, poucas vezes interagindo com interlocutores, mas fazendo questão de pontuar sua presença em cena, ainda que numa borda da imagem. Essa postura reafirmada ganha contornos sobremaneira significativos e potentes quando percebemos que Ana veste-se de modo a deixar expostos os próprios seios. O gesto naturalizado é bastante contundente, pois reafirma sua postura e seu ímpeto. Pena não ser tão explorado para lograr eficácia para além de um posicionamento político corroborado pelas ações.

Rio de Topless atira em múltiplas direções, ilumina diversos tópicos urgentes num debate que envolve a interdição da nudez feminina como bandeira dos conservadores. Todavia, os assuntos são dispostos de modo esquemático, quase como se fosse necessário cumprir certos pré-requisitos para atingir a amplitude empenhada em não preterir vitalidades. Por exemplo, as idiossincrasias da negritude dentro dessa observação ampla são mencionadas rapidamente, pela voz da pesquisadora branca que traz à baila a objetificação à qual os corpos pretos femininos continuam sendo vítimas historicamente. E para por aí. Assim como esse, vários pontos são citados sem aprofundamento por Ana Paula Nogueira, realizadora que prefere demorar-se no vislumbre de performances nem sempre vigorosas o suficiente para justificar seu desproporcional tempo de tela. A única efetiva como dispositivo lírico é a da mulher transitando de perna de pau, e seios devidamente à mostra, coberta da cintura para baixo com um tecido esvoaçante. Independência e beleza são amalgamadas.

Alguns desses exercícios embalados pela trilha sonora acabam ganhando conotação de videoclipe, como a sessão de fotos à beira-mar em que a cineasta filma alguém fotografando outrem enquanto é esquadrinhada por uma terceira câmera em cena, nesse sentido agindo como personagem simbólico. Muitos elementos, texturas, possibilidades e esferas são acessadas em Rio de Topless, mas há uma dificuldade para equilibrar as possibilidades e extrair de cada uma delas os substratos à delineação dos discursos. Algumas falas potentes se encarregam de conferir substância ao conjunto, como o depoimento da atriz contando o episódio em que, ao deixar os seios ao vento, foi constrangida por policiais enquanto o colega homem ostentava o torso desnudo despreocupadamente. O filme ganha pontos quando aproveita a força de testemunhos como esse, alcançando menor êxito na tentativa de combinar suas dimensões narrativas para desenhar um painel que congregue informação, discussão e poesia. O tema abre alas a pautas que infelizmente são apenas referidas no longa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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